Podemos banalizar a Violência?
A violência é um assunto demasiado sério para ser banalizado como tem acontecido ultimamente. É óbvio que a indústria do entretenimento sempre a utilizou como forma de captar audiências, mas maioritariamente sob a forma de fantasia, o que se torna relativamente fácil de processar, uma vez que no limite sabemos que aqueles factos são uma encenação, e não uma expressão concreta e real.
Porém, em determinados programas que de momento fazem parte da nossa televisão, assistimos hoje em dia a verdadeiros atentados ao respeito e à educação, numa espécie de vale tudo televisivo, onde ao vivo e em directo somos confrontados com o que o ser humano tem de pior, colocando este tipo de atitudes numa espécie de legitimidade falsa, facilmente aceite pela sociedade.
Nos últimos dias este assunto ganhou forma específica na pessoa de Bruno Carvalho e da sua namorada Liliana Santos, habitantes da casa mais famosa do país. O casal tem sido protagonista de cenas que se podem colocar dentro dos parâmetros da violência doméstica, com gestos agressivos e proibições de contactos. Actos que revelam de imediato uma supremacia de um dos lados, o que anula num ápice a possibilidade de existência de uma relação saudável, que pressupõe invariavelmente igualdade e liberdade.
O facto agrava-se quando em escrutínio público pessoas comentam estes factos de uma forma leve e os normalizam ainda mais, transformando-os numa guerra de audiências onde vale tudo para atingir números record: a métrica actual que norteia a espécie humana. Quando estas questões vêm para o ar, ninguém se importa com o facto de alguma vítima poder ver e reflectir ali o seu espelho de vida. E que mesmo mudando num ápice de canal, pode já ter revivido episódios significativos e marcantes. Ninguém pensa no adolescente em formação, que se vai deparar com atitudes machista, graves, como o próprio nome indica.
O problema é central e profundo. Não poderemos dizer que não existiu evolução, uma vez que se recuarmos aos anos cinquenta ou sessenta, encontramos verdadeiras tragédias no que concerne ao assunto, que era quase normativo nas pessoas de então. A mulher devia obediência ao homem, e crescia nela sem qualquer questão, perpetuando ao longo dos anos uma existência precária, submissa, como se fosse quase inexistente, em muitos domínios da sociedade. Se compararmos a actualidade com estes dados, obviamente que nos encontramos num patamar evolutivo, mas como a diferença entre homens e mulheres era muito significativa, mantemos a permanência num lugar ainda longínquo ao esperado.
Infelizmente, continuamos a assistir na educação de crianças e jovens, a formas de actuar bem distintas, associadas ao género. Certamente são estilos que se irão continuar a perpetuar, e que acabam a fomentar este tipo de conduta, que talvez se atenue quando o mundo conseguir perceber que necessita de educar para o respeito e para a humildade, em vez de continuar a aplaudir a competição, a supremacia, a dependência, e a velha história de que o papel da mulher é cuidar do homem.
Infelizmente, existem barreiras imensas a contaminar esta questão, algumas mais importantes do que outras. As diferenças salariais entre géneros, por exemplo, continua a ser uma realidade em alguns tipos de trabalho. Neste sentido, é difícil fomentar uma igualdade que no dia a dia se depara com desigualdades que se transformam em barreiras para que se possa sair de uma relação abusiva ( ainda além das outras demais), porque na vida, infelizmente, o dinheiro traz liberdade.
Muitas pessoas parecem-me cegas para este assunto. Só isso me justifica que o paradigma político actual permita eleger, por exemplo, uma jovem de vinte e poucos anos, que se auto-intitula de anti-feminista. Assim, numa vaidade incongruente com a sua postura, certamente submergida por alguma ignorância sobre o que o termo quer dizer. Acredito que perto dela, não tenha experiências de violência. Acredito que a vida a possa ter protegido desta fatalidade, que sorte a dela ( ou será azar?), que assim pode acreditar numa sociedade onde não é necessário lutar por direitos e por igualdade. Ou então, esta jovem só faz parte dos ruídos colaterais que nasceram para abanar um sistema já por si em atraso, e que parece querer continuar assim, longe do limbo da evolução, a assistir sentado no sofá, ao Domingo à noite, a aberrações televisivas às quais chamam de entretenimento.
Haverá luta que valha a esta ignorância?
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Carla Raposo Ferreira, é Psicóloga e escreve às Segundas-feiras no Rio Maior Jornal.