Livros: Ai Que Prazer ter uns Textos p’ra ler e não o fazer!
Qualquer pessoa que escreva, vai nas linhas do texto. Não há forma de inventar histórias sem projecção, quer o façamos de forma pontual, quer façamos do exercício da escrita uma forma de sustento para a vida.
Sou todas as histórias que conto, e todas elas representam fragmentos de mim, mesmo aquelas em que eu julgo parecer anónima, distante, segura, basta ao leitor estar atento, e num ápice percebe nuances, trejeitos, vaidades, entre outros defeitos.
A escrita é uma forma de comunicação e de expressão. Como a fala, muito embora mais cuidada e obediente. Há por isso uma espécie de relação entre o leitor e o autor, que ao ler um livro entra directamente no imaginário de quem o escreveu, retirando da leitura lições, considerações, opiniões ou estados de espírito. É por isso que quando compro um livro, começo sempre a ler a história do autor.
Começo por pesquisar exaustivamente o que estudou, onde viveu, onde cresceu, quantos filhos tem e quantos casamentos falhou (se é que se falham relações), se correu mundo ou se não saiu da aldeia onde nasceu, e se por acaso lá ficou, se olha apenas para o perto, ou se abriu os olhos ao mundo ( porque é possível abrir olhos ao mundo à distância).
Raramente me engano, e relativamente a este tema, de facto, tenho muito poucas dúvidas. É raríssimo adquirir livros que nada me tragam de novo, e quando não embalo, usualmente, trata um assunto de identificação literária, e não de falta de qualidade da obra (o que também não é frequente). Irritam-se algumas vozes quando proíbo a aquisição dos mesmos, para me forçar a ler algo que não me faz sentido. Mal sabem eles que a minha irritação é consideravelmente maior do que a que exprimo.
São poucos, muito poucos os que podem quebrar este meu obstáculo. Neste campo escuto uma recomendação, tolero um conselho, sou até capaz de aceitar um empréstimo, mas antes de dedicar o meu tempo à leitura, necessito de procurar a fundo o sentido da obra, o objectivo do autor, preciso de ler as sinopses e saltitar livremente por entre os parágrafos, começar um sem acabar, findar outro sem o iniciar, enfim, depende do meu espírito do momento e da relação que estou a construir com o livro, sempre diferente de um para o outro.
Comparo a imposição literária a quando forçam criancinhas a comer algo que não gostam, um acto puramente autoritário e ofensivo para a integridade física de cada ser. Talvez por isto, condeno de alguma forma a obrigatoriedade da leitura de certas obras nos programas dos planos nacionais. O contacto com os nossos escritores pode ser considerado importante, aceito e até concordo.
Ler a descrição de Eça de Queirós, no início dos Maias (nunca li o livro, venho de humanidades), pode ser uma mais valia, mas confesso que me pareceria bem mais pertinente uma leitura escolhida num leque de opções, que permitisse ao jovem explorar o que mais gosta. Perder noites de sono de volta do Memorial do Convento do nosso nobel Saramago (do qual já li a generalidade da obra, falta-me curiosamente este, que a certa parte começa a aborrecer-me de morte), constitui muitas vezes uma apresentação ao autor mais ou menos entediante, que faz com que daí em diante o mesmo seja visto com olhos de desconfiança, o que pode num futuro impedir a entrega do nosso tempo ao imperdível Ensaio Sobre a Cegueira, uma verdadeira obra de arte da literatura (a meu ver, claro, e também no ver da Academia Sueca).
Questiono-me, eventualmente ingenuamente, se o facto de eu não apreciar determinada leitura, faz de mim menos leitor, e se de facto não seria mais saudável privilegiar uma boa relação com a mesma, em detrimento da parametrização excessiva de informação, pouco tolerante a desvios que podem mais não ser do que a individualidade de cada um, a falar por si.
Calar esta individualidade está na base de uma série de problemas que encontramos hoje em dia, no estereótipo elaborado à luz de um guião, construído por alguém que se julga detentor de uma capacidade de escolha fugaz, imperativa e acertada, quando na prática não é mais do que uma pessoa, que como todas as outras pessoas, tem as suas escolhas pessoais.
O ensino encontra-se assim emergido por uma espécie de tabelas periódicas que mandam nos meninos, e não por professoras que espicaçam o conhecimento. E que o desafiam na cabeça de cada estudante. É composto por metas e balizas fechadas, obsoletas e estanques, e não por abertura de mentes. Incentiva a competição, e mais uma vez, deprecia a individualidade. Valoriza o número atingido, e não o nome de quem atingiu.
Até quando, é sempre a questão que me surge.
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Carla Raposo Ferreira, é Psicóloga e escreve às Segundas-feiras no Rio Maior Jornal.