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Terrorismo

Terrorismo Informacional?

Podem as notícias ser uma forma de terrorismo?

O País não ficou satisfeito com a pandemia. Não lhe chegou, é fenómeno parco em termos de acontecimento, e vai daí que há uns dias se empenhou em encontrar um assunto que fizesse mais história, mais barulho, mais medo. Não será bem o caso, a pandemia continua a reinar audiências, mas seria necessário agitar as águas já mornas do conhecido.

E de facto há sempre forma de irmos buscar o que noticiar. Basta estarmos atentos a determinadas vias de comunicação, para percebermos que a notícia é hoje um fenómeno rápido, muitas vezes incipiente, como por exemplo a de um miúdo que planeou um ataque terrorista na Universidade de Ciências de Lisboa.

Sou totalmente defensora do bloqueio da operação, ou suposta operação. Fico satisfeita, como qualquer cidadã, com a actuação das autoridades que permitiu que se desmontasse o esquema e permitiu ainda que as actividades lectivas pudessem continuar sem intercorrências, numa altura de exames e de grande exigência para os alunos.

A minha questão vai para o tratamento do assunto, para o escrutínio da pessoa, da sua estrutura mental (ainda sem avaliação) e da zona de residência, do tempo de antena e das especulações que mais não fazem do que levantar questões diversas que parecem servir, como sempre, para instalar pânico e caos.

Ao nível de formação em emergência, sempre me foi ensinado que para conter o caos, deveremos privilegiar a descrição e evitar o barulho ensurdecedor do pânico. Compreendo claramente que a informação em certa medida tem de circular, é útil, necessária, teremos eventualmente direito a ela, no sentido de tabelarmos e dirigirmos a nossa vida e as nossas escolhas indexadas à clareza e ao rigor dos factos.

Mas será disso que se trata quando esmiuçamos ao pormenor a informação do que ainda nem se sabe? Que por falta de dados novos acaba invariavelmente por se socorrer de pseudo especialistas em diversas áreas, que falam de hipóteses muitas vezes totalmente infundadas, apenas para preencher tempos de antena. O que se ganha com isto? O que se consegue com esta histeria colectiva de opiniões vazias de concretos, que apenas alimentam questões, medo, insegurança?

O medo do extremismo religioso é legítimo. Sabemos que o descontrolo que coloca determinadas pessoas no limbo da vida e da morte, sem qualquer limite no que toca a morrer e matar pela fé, pode ser muito assustador. Porque de alguma forma sabemos que quem se expõe a riscos destes sem olhar a consequências, são pessoas que podem arrastar multidões com elas, sobre o desígnio de um acto redentor, cometido sem medo, sem pensamento racional.

Por sabermos disto, a sociedade deveria ser protegida. Não para se manter na desinformação, reforço. Mas para não entrar numa ânsia incontrolável, que já vem persistindo há algum tempo na população, e que acaba por condicionar o sentir global já existente.

No rescaldo do dia seguinte, a triologia Fado, Futebol e Fátima fez das suas, e deitou por terra o assunto do momento, tudo porque o Sporting jogou com o Futebol Clube do Porto, e pasmem-se, correu mal. Foi um ápice enquanto o terror da especulação foi substituído pela violência incontida de jogadores, dirigentes, treinadores. Todos esses devidamente identificados, aplaudidos e milionários, uma espécie de leque populacional especial, que reside acima do nosso plano existencial, algures entre uma entidade divina e o comum dos mortais.

Neste território, a validação por tudo o que possa parecer impossível assume-se como possível, e coloca a justiça, a educação e a cultura, numa espécie de patamar que se contorna com o poder do dinheiro, o único que tutela além lógica racional e social.

Neste momento, vem a público que o jovem manifestou crises de ansiedade e necessitou de se deslocar ao hospital prisional, uma informação que, questiono, será de utilidade superior para o decorrer da informação sobre o caso? Sabe-se ainda que vai haver queixa-crime no seguimento do jogo de ontem, uma suposta fonte de entretenimento a ocupar tempo de justiça, de antena, de energia, de jornal.

A suposta inversão de prioridades no rigor informativo, vai buscar deixas à especulação, ao mediatismo, ao domínio da população pelo medo, à exploração do facto até ao limite da irrazoabilidade. Nesta lógica tendemos a desfocar do essencial e a privilegiar o acessório, transformando a notícia e a gestão de informação numa profunda inutilidade.

O que sobra dos despojos são meros pormenores de quotidiano. Muitas vezes falsos, uma espécie de discussão entre pessoas acesas, que no final da rixa já esqueceram a origem e o problema. Como consequência, continuará sempre tudo igual.

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Carla Raposo Ferreira, é Psicóloga e escreve às Segundas-feiras no Rio Maior Jornal.

Carla Raposo Ferreira
Psicóloga, Terapeuta do luto. Exerce clínica privada nos distritos de Santarém e Leiria.