Oh! Grandes e gravíssimos perigos,
Oh! Caminho de vida nunca certo,
Que aonde a gente põe sua esperança
Tenha a vida tão pouca segurança! (I, 105)
10 de junho de 2025. 445 anos do falecimento de Luís Vaz de Camões e 5.º centenário do seu nascimento.
Atualmente, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.
Todos os anos, o país assiste às tradicionais comemorações do 10 de Junho, feriado nacional carregado de simbolismo e rituais protocolares. Outrora conhecido por outras designações e associado a fins ideológicos específicos, este dia transformou-se, nos tempos que correm, na principal ocasião de exaltação nacional. É, essencialmente, através das demonstrações das forças armadas — em terra e no mar — que se evidencia o orgulho na nossa capacidade de defesa e na projeção militar portuguesa. No fundo, daqueles que nos servem, defendendo e protegendo, em qualquer circunstância.
Importa, primeiro que tudo, compreender que a atual designação para este feriado encerra em si a Nação, a História, a Literatura, a Língua, a Cultura e, sobretudo, a Humanidade. Cada um de nós tem o dever de conhecer, valorizar e preservar cada uma destas dimensões, porque nelas se espelha o que somos e aquilo que projetamos ser enquanto povo.
Camões, símbolo maior da nossa Literatura, foi mais do que um poeta. Foi o autor da epopeia portuguesa, respondendo a várias expectativas de índole cívica que surgiram no século XVI, o visionário da grandeza e das fragilidades do Império, e, acima de tudo, um humanista. Celebrar Camões é, portanto, mais do que recordar Os Lusíadas; é refletir sobre o legado da nossa língua e cultura, bem como sobre a responsabilidade que nos cabe na construção de um país mais justo, plural e consciente da sua história, não apenas restrita a fronteiras políticas.
Neste 10 de junho, que também se insere no contexto das Comemorações do V Centenário do Nascimento do Poeta, talvez valha a pena interrogar: que Portugal estamos a celebrar? E que Portugal queremos construir?
Ao longo do dia, multiplicaram-se as contestações nas redes sociais motivadas pelo discurso do Senhor Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Seria pertinente questionar quantos desses comentadores de bancada assistiram, de facto, à cerimónia transmitida pelos diferentes meios de comunicação social. O discurso político, em particular, obedece a uma determinada estrutura argumentativa que não pode (nem deve) ser reduzida a um título de notícia. O contexto é, no ato comunicativo, absolutamente essencial para uma interpretação justa e informada. Comentar e reivindicar, a partir de informação descontextualizada e transmitida por canais intermediários, torna o olhar crítico insustentável, reduzido à ignorância. O que somos sem o contacto com o Mundo, nesta dimensão global? Pode custar-nos ouvir falar do Racismo e da Escravatura, mas é simples: podemos nós, se quisermos, fazer a Diferença e deixar uma marca positiva na nossa História – basta dizer SIM ao Respeito, à Tolerância e à Dignidade.
Recordemos as palavras de Lídia Jorge, Escritora e Presidente da Comissão Organizadora deste dia, que nos deixa a ideia de que
“Cada um de nós é uma soma”. Pensar que existe “um sangue puro” é perigoso e faz lembrar um tempo em que, “orgulhosamente sós”, os portugueses viram direitos fundamentais ameaçados, vivendo sem muitos deles. A este tempo, se me permitem, não quero voltar. Conheço a nossa História e a daqueles que lutaram e sofreram para chegarmos ao Estado Democrático. Voltemos a Camões, sempre que possível, levando dele a importância do questionamento, especialmente em épocas de transição. O que somos sem o Espírito Crítico? Marionetas sem voz própria.
N.R. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações da Direção do RMJornal, mas não é por isso que deixam de ser publicados
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