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Saúde Mental: Todos Somos Psicólogos?

A saúde mental não se avalia por parâmetros analíticos que se analisam numas gotas de sangue. Não se afere rapidamente num banco de café, onde meio a sério, meio a brincar, gostamos de dizer que ” todos somos meio psicólogos”. Não será bem isso, porque ser psicólogo não é só escutar os problemas alheios, nem é só dar meia dúzia de conselhos (nem os damos propriamente, vejam bem).

Os meandros que compõem a mente, são muito mais do que a soma de todas as partes das histórias que vivemos, são a sua interpretação, o que sentimos nelas, quem as vive connosco, são o registo de significado que fica marcado à força no nosso código emocional.

É por isso que diferentes histórias têm diferentes resultados em diferentes pessoas. E é por isso que histórias semelhantes podem ter um impacto totalmente contrário, em alturas diferentes da nossa vida. Uma dor tolerada por alguém, pode ser totalmente insuportável para um outro alguém (sem que isso signifique força ou fraqueza), tal como um episódio traumático para uma pessoa, pode ser insignificante para uma outra.

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O sentimento de liberdade pode ser um oásis ou um terror, dependendo se quem a sente é um espírito livre ou espírito de pertença, a carecer de colo. Tal como uma relação mais protectora, pode ser uma segurança ou uma prisão, porque o visado pode ou não necessitar desse cuidado. Uma pessoa pode ser feliz mais sozinha ou mais acompanhada, e não é porque chora muito que está deprimida, tal como não é porque sorri a toda a hora, que se encontra feliz. Uma piada pode ser uma brincadeira, ou pode ser a mais pura das defesas, e uma palavra mais forte pode representar uma autoridade, mas também pode denunciar uma fraqueza.

Um jovem fechado no quarto pode apenas querer dizer que se encontra a divagar na música do inconsciente, mas também poderá significar que está isolado do mundo, sem música, perdido nos meandros da existência, em busca de um palco seguro. Ou de um palco, apenas. Um sem abrigo pode ser dono dele próprio, ou pode estar abandonado. E um velho teimoso pode ser um sábio ou pode estar revoltado, tal como uma senhora de meia idade pode estar séria porque está serena com ela própria, mas também pode ser porque perdeu a esperança de se encontrar na felicidade. 

A tendência a enquadrar no senso comum a avaliação da saúde mental de quem nos rodeia, é uma das grandes causas da desvalorização da mesma. Tudo porque toda a gente sabe sempre o melhor remédio a utilizar em cada questão, com terapias ancestrais que em tempos vingaram, numa altura em que a vida manifestava outro tipo de exigências. Esta banalização de problemas que podem ser sérios, e que nas crenças populares se curam com banha da cobra, não só relativiza o poder da doença mental, como coloca quem padece dela num patamar de insegurança, e não raras vezes numa espécie de responsabilidade pelo próprio estado, como se falássemos de uma escolha ou de um capricho, e não de uma doença, eventualmente grave.

As políticas estão longe de contemplar a necessidade, mas na prática começamos muito antes a desviar-nos do essencial. No exacto local onde julgamos saber diagnosticar, acompanhar e curar quem está perto de nós, com meia dúzia de palavras, muitas vezes ausentes de conteúdo. Os amigos são para as ocasiões, mas não curam todos os males. As pessoas no geral podem ser umas boas ouvintes, mas não conseguem enquadrar a globalidade no problema, num diagnóstico.

O valor da seriedade nesta temática pertence a todos, e não é sensato culparmos apenas o sistema, quando na prática assistimos na plateia da frente a tudo o que se tem feito de erróneo, a aplaudir de olhos bem fechados uma conduta ancestral e obsoleta, perpetuada por muitos, tolerada por outros tantos.

Pela minha parte, confesso, incomoda-me a presunção da sabedoria do que há anos tento dominar, em vão. Invisto, insisto, sem dúvida avanço, mas sei que nunca irei atingir um fim, pela impossibilidade do facto (se há infinitos, a mente humana é um desses locais).

Gostava de solicitar a reflexão a todos os que julgam sabem tanto, sem nunca se terem debruçado sobre o assunto seriamente. Só assim a humildade irá imperar e a saúde mental começará a sair do domínio do profano, numa altura em que mais do que nunca deverá ser encarada com respeito e responsabilidade. 

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Carla Raposo Ferreira, é Psicóloga e escreve às Segundas-feiras no Rio Maior Jornal.

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Carla Raposo Ferreira
Psicóloga, Terapeuta do luto. Exerce clínica privada nos distritos de Santarém e Leiria.