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Rio Maior que futuro

Rio Maior, Que Futuro!

Que Rio Maior temos, que Rio Maior precisamos ter: Uma reflexão crítica sobre o poder local e os desafios do desenvolvimento

A administração local autárquica corresponde à atividade desenvolvida pelas autarquias locais, entendidas estas como pessoas coletivas territoriais, dotadas de órgãos representativos que visam a prossecução dos interesses próprios das populações residentes numa determinada área. Trata-se de uma dimensão fundamental do Estado de Direito democrático, consagrada constitucionalmente, que tem por base o princípio da descentralização administrativa e política. Em Portugal, a organização autárquica compreende os municípios e as freguesias como autarquias locais, sendo que os respetivos órgãos são eleitos democraticamente pelas populações. O município é dirigido por um conjunto de órgãos: a Assembleia Municipal, de natureza deliberativa, e a Câmara Municipal, de natureza executiva, chefiada pelo Presidente da Câmara. As freguesias, por sua vez, são estruturas mais próximas dos cidadãos, com competências próprias e orientadas para a resolução de questões de âmbito local.

O papel do poder autárquico transcende a mera gestão administrativa. A sua legitimidade advém da eleição direta pelos cidadãos e da sua capacidade de responder eficazmente às necessidades locais. Assim, o que está em causa não é apenas a organização territorial ou a prestação de serviços básicos. Trata-se, sobretudo, de garantir um serviço público de qualidade — definido pelos olhos dos munícipes — prestado com eficiência, eficácia e economicidade, conforme preconizado pelos princípios fundamentais da administração pública contemporânea.

Mas que município é este que temos? E que município precisamos construir para o futuro? A resposta a estas perguntas implica uma reflexão sobre as múltiplas dimensões do território: o que se vê e o que se vive. O município de Rio Maior é muito mais do que a sua representação cartográfica, os seus equipamentos urbanos ou os eventos que se inscrevem no calendário institucional. Existe uma outra dimensão, simultaneamente mais invisível e mais essencial: o território vivido, sentido, construído no quotidiano por quem nele habita.

Entre a gestão formal do município e a vida real das suas comunidades, o fosso parece crescer. A distância entre o que se administra e o que se experiência traduz-se em clivagens reais, muitas vezes subtis, mas de grande impacto. As políticas públicas, quando desenhadas sem uma escuta ativa das populações, tendem a reproduzir modelos exógenos e descontextualizados, com baixa eficácia transformadora. As decisões sucedem-se, mas nem sempre se percebe a coerência de um projeto estruturante, nem a ambição de uma visão integrada de desenvolvimento.

Importa, pois, perguntar: existe uma narrativa mobilizadora para Rio Maior? Foi construída uma visão de médio e longo prazo que articule os desafios locais com os grandes paradigmas do desenvolvimento sustentável? Está essa visão a ser operacionalizada com base em planos estratégicos sólidos, coerentes, participativos e avaliáveis?

A ausência de debate público estruturado e de pensamento crítico estratégico denuncia uma fragilidade que não é apenas local, mas que, no contexto de Rio Maior, assume contornos particularmente preocupantes. A participação cívica reduzida, o desinteresse pela política local e a desvalorização do papel das autarquias são sintomas de uma prática política pouco transformadora, marcada por ciclos eleitorais curtos e pela prevalência de lógicas de gestão corrente.

A construção de um concelho sustentável, resiliente e competitivo exige, além de tudo, políticas públicas inovadoras e fundamentadas, ancoradas em redes de proximidade e conhecimento. A literatura científica reconhece que os territórios com maior sucesso no desenvolvimento local são aqueles que conseguem mobilizar os seus recursos endógenos — humanos, naturais, culturais — e atrair investimento externo qualificado.

Neste sentido, Rio Maior tem sido capaz de atrair investimento privado com potencial estruturante? Que estratégias têm sido implementadas para fixar jovens qualificados? Existem incentivos eficazes à instalação de empresas capazes de oferecer carreiras sustentáveis e bem remuneradas? E, caso existam, esses instrumentos estão a ser avaliados quanto ao seu real impacto na criação de emprego e na retenção de talento?

Estas perguntas são centrais, pois remetem para o imperativo de definir políticas de desenvolvimento económico territorial com base em evidência empírica e em boas práticas já testadas noutros contextos semelhantes. O planeamento estratégico — enquanto instrumento técnico-político de articulação entre a visão de futuro e os meios disponíveis — é fundamental para enfrentar os desafios demográficos, sociais e económicos do concelho. A fixação das novas gerações no território está diretamente associada à existência de oportunidades profissionais qualificadas e de condições de vida atrativas. Que medidas têm sido adotadas nesse sentido? Estão as políticas públicas locais a responder a esta necessidade com a urgência e profundidade requeridas?

A competitividade interterritorial, cada vez mais acentuada pelas dinâmicas da globalização e pelas exigências da transição digital e ecológica, coloca uma pressão acrescida sobre os municípios de pequena e média dimensão. O risco de estagnação económica e de desertificação demográfica é real. Mas existem alternativas. Como mostram vários estudos no âmbito da economia regional e da geografia humana, os territórios que apostam na inovação social, na valorização do capital humano e na cooperação entre atores locais têm melhores resultados em indicadores de bem-estar, coesão e crescimento sustentável.

Neste quadro, Rio Maior está a potenciar as suas vantagens competitivas? Está a aproveitar os seus recursos específicos — a centralidade geográfica, os ativos naturais, a rede de instituições de ensino e formação — para se posicionar estrategicamente no contexto regional e nacional? Ou está apenas a gerir o presente, sem imaginar ativamente o futuro?

A resposta a estas questões exige mais do que boas intenções ou discursos de ocasião. Requer visão, coragem política e capacidade de mobilização coletiva. A escuta ativa das populações, a abertura ao conhecimento técnico-científico e a criação de redes colaborativas entre cidadãos, empresas, universidades e instituições públicas são condições essenciais para desenhar políticas públicas robustas e eficazes.

Porque o verdadeiro desafio de Rio Maior não é crescer apenas em tamanho ou notoriedade, mas reaprender a pensar-se, a imaginar-se, a projetar-se como um território com identidade, ambição e futuro. E isso implica transformar o poder local num verdadeiro instrumento de cidadania ativa, de desenvolvimento sustentável e de coesão social.

N.R. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações da Direção do RMJornal, mas não é por isso que deixam de ser publicados

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Benedito Roldão
Benedito Roldão é o pseudónimo de cidadão riomaiorense, que por razões de liberdade de expressão, escreve sobre pseudónimo. O RMJornal, respeita em pleno o pedido dos seus colaboradores na preservação da sua identidade.

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