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Ficará Rio Maior a ver passar os comboios?

O Plano Ferroviário Nacional prevê uma estação de comboios no nosso concelho.

Foi há poucas semanas apresentado o Plano Ferroviário Nacional. Este plano prevê uma estação de caminhos-de-ferro em Rio Maior, assente sobre a linha de Alta Velocidade Lisboa-Porto (LAV) que há muito já se planeia atravessar o nosso concelho, desde os planos originais do início do século. A nova linha prevê ligar as duas principais cidades portuguesas em menos de 1h:20min.

A linha de alta velocidade será uma revolução na forma como nos deslocamos em todo o nosso país. Só ela conseguirá reduzir em 40% o tráfego automóvel entre Lisboa e Porto. Fonte: Infra-estruturas de Portugal

Este traçado é muito pouco provável que venha a ser alterado, uma vez que o mesmo já foi exaustivamente estudado. Mesmo que a ideia peregrina de um aeroporto em Santarém vá avante (que, por vários motivos que não cumpre aqui enunciar, é uma má solução como um todo para o país e para a Área Metropolitana de Lisboa) a LAV cruzará Rio Maior. Basta dizer que o plano do dito aeroporto prevê uma ligação à actual linha do Norte que liga Lisboa ao Porto e passa por Santarém, não necessitando de alta velocidade.

Lembro-me de sempre ter ouvido na terra, e muito legitimamente, debate sobre a questão. Uns diziam que não era viável uma coisa dessas aqui (visão que não deixa de ter algum fundamento, muito embora seja também o típico pessimismo português a falar, que vai até ao limite de dizer que não precisamos de linha de alta velocidade para nada – o que é um erro crasso). Outros veem-na como uma oportunidade para dinamizar o nosso território. Cumpre colocar os dados em cima da mesa.

No plano original da RAVE (Rede de Alta Velocidade, empresa especialmente criada para o efeito que fez os estudos iniciais), a nova linha seria construída com uma bitola (distância entre carris) diferente da de toda a actual rede ferroviária – em bitola europeia, em consonância com a bitola de grande parte da rede de alta velocidade espanhola, muito embora ela ainda não chegue em ponto algum à nossa fronteira; e a rede existente manter-se-ia por largos anos na actual bitola ibérica até que eventualmente se justificasse uma alteração posterior. Ora, este plano implicava a compra total de novos comboios, uma vez que nenhum dos actuais da frota da CP está preparado para circular em bitola europeia nem tão pouco permite essa alteração. Assim sendo teríamos uma frota limitada para operar na rede de alta velocidade por uns longos anos, dependendo da disponibilidade financeira.

Os CPA 4000 (Comboios de Pendulação Activa), o topo de gama da frota da CP, apenas circulam em bitola ibérica e só atingem a velocidade máxima de 220km/h. A CP terá obrigatoriamente que comprar novos comboios para explorar todo o potencial da nova linha, apta a 300km/h. Fonte: Wikipédia.

A viabilidade de uma estação numa linha de alta velocidade em Rio Maior justificar-se-ia, nesse caso, pelo simples facto de poder ser mais cómodo a grande parte das pessoas da região Oeste e mesmo Ribatejo virem apanhar o comboio a Rio Maior do que seguir a partir de Caldas da Rainha/Santarém e fazer transbordo em Leiria ou Coimbra, respectivamente. Isto, como é evidente, no que concerne às viagens em direcção a Norte, uma vez que em direcção a Lisboa as actuais linhas conseguem ser mais competitivas do que vir a Rio Maior. A linha, nesse projecto inicial, seria sobretudo focada num serviço de tipo Alfa Pendular, uma vez que comprar novos comboios de bitola variável para fazer serviço de Intercidades (como já existem em Espanha) não estaria ao alcance dos cofres da CP (a CP ainda nem conseguiu encomendar novos comboios de serviço premium que estão já a fazer falta). De uma forma ou de outra sempre esteve prevista uma estação técnica para o local, pelo que acrescentar serviço de passageiros não seria um acréscimo de custos nada de especial.

Mas o cenário que o Governo agora prevê é diferente. O objectivo é construir a linha de alta velocidade em bitola ibérica e integrá-la com o resto da rede, para permitir que qualquer comboio possa nela circular. Isto permitirá que várias cidades secundárias não ligadas à linha de alta velocidade (como Santarém e Guarda, por exemplo) possam ser servidas pela linha quando o comboio efectue parte do percurso na nova linha e outra parte no percurso da antiga. No caso de Santarém, um comboio vindo do Porto poderia sair da LAV em Coimbra e descer na linha do Norte servindo assim aquela cidade. O mesmo sucede com as Caldas da Rainha. É exactamente a mesma coisa que, quando vamos ao Porto, irmos pela nacional até Leiria e só entrar lá na auto-estrada. A necessidade de uma estação em Rio Maior parece, com este cenário, menos necessária.  

A verdade é que o Governo continua a pôr a hipótese de construir a estação e a mim, parece-me, que tal se deve a uma outra oportunidade que surge com a LAV em bitola ibérica. Como referi, para além dos comboios directos Lisboa-Porto e dos comboios equivalentes ao actual Alfa Pendular (com paragens em Leiria, Coimbra, Aveiro e Vila Nova de Gaia), os comboios de serviços Intercidades poderão entrar e sair da LAV para servir outros destinos como a Figueira da Foz, Guarda… A tipologia de serviço permitida será muito maior. E é nesse cenário que creio que se justifique tal paragem no nosso concelho, uma vez que assim um passageiro de Santarém ou Caldas pode vir apanhar o comboio directo para esses destinos menos procurados. Até porque os comboios mais rápidos (vulgo Alfa Pendulares) que circularão a 300 km/h terão que ultrapassar os comboios mais lentos (a actual frota de locomotivas Intercidades só tem velocidade máxima autorizada de 220km/h). Assim, a uma paragem técnica obrigatória para muitas circulações junta-se uma abertura de portas que pode servir o nosso território.

Locomotiva 5600, apta a 220km/h, e carruagens Intercidades. É este tipo de comboio que poderá parar na estação de Rio Maior. As carruagens intercidades começarão a ser renovadas no próximo ano, aumentando o seu conforto. Fonte: Ricardo Quinas

A quantidade de serviços, num mero palpite, talvez se pudesse cifrar nos 10 por dia em cada sentido, contabilizando os serviços de IC para a Guarda e para a Figueira da Foz com paragem em Rio Maior. O tempo de viagem para Lisboa, contando com uma paragem em Vila Franca de Xira, deve cifrar-se nos 25 minutos. Num cenário um pouco ambicioso, isto permitiria a Rio Maior ganhar uma natureza quase sub-urbana a Lisboa. Realço o “quase” pois os preços dos bilhetes não me parece que fossem compatíveis para viagens de todos os dias – mas devem ser semelhantes ao preço de um autocarro da rede Expressos também para Lisboa. Certamente permitiria a muita gente trabalhar na capital e viver em Rio Maior.

Aqui chegados, e com esse desejo manifestado pelo Governo, não faz sentido que sejamos nós a dizer que não queremos. Felizmente está tudo a nosso favor. Creio que cabe à comunidade riomaiorense e aos órgãos municipais (Câmara e Assembleia) fazerem tudo quanto estiver ao seu alcance para:

– assegurar a inclusão, na versão definitiva com força de Lei, da estação de caminhos-de-ferro de Rio Maior/Oeste no Plano Ferroviário Nacional; aprovando moções, assegurando apoio junto dos deputados distritais no Parlamento, etc.;

– iniciar o quanto antes a investigação e os planos para assegurar uma agilização do processo com a Infra-estruturas de Portugal;

– planificar uma estação rodoviária contígua à estação de caminhos-de-ferro, levando os passageiros ao seu destino final (seja ao centro de Rio Maior seja às cidades limítrofes).

É certo que a estação e a linha, a concretizarem-se, e na melhor das hipóteses, só começariam a operar em 2030. Mas isso não significa que a situação não tenha de começar a ser já acautelada – aliás, é justamente esse um dos pontos que distingue as boas das más políticas. Portanto, se queremos que isto de facto vingue cabe a toda a comunidade pugnar por isso.

Rio Maior já poderia ter um melhor acesso a comboios

É certo que o nosso país não tem uma cultura de transporte público. Isso só pode mudar com boas políticas que ofereçam um serviço decente e fiável às pessoas. Algo bastante simples de fazer seria assegurar que Rio Maior dispusesse de transporte público com frequência adequada à estação de Santarém para assegurar viagens de comboio para Norte. Tal permitiria servir uma grande franja da população jovem, quer a que vem estudar para a Escola Superior de Desporto quer a que vai estudar para fora. Permitiria oferecer muitas mais ligações (e mais rápidas) do que a rede Expressos assegura com transbordo em Leiria e sairia bem mais barato do que viagens de carro em muitos casos. Se começássemos por aí já seria um grande passo.

De momento, e infelizmente, uma ligação à estação de Caldas da Rainha não é tão interessante uma vez que os serviços ferroviários daquela linha são bastante débeis, frutos de anos de desinvestimento e abandono a que a ferrovia esteve sujeita.

A estação de Santarém tem actualmente 10 ligações de Intercidades e Alfa Pendular ao Norte do país. Está actualmente em obras por forma a proporcionar maior conforto aos passageiros e preservar as suas obras de arte. Fonte: mapio.net

Tiago Morgado Jorge – Aficcionado por comboios

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Tiago Morgado Jorge
Jurista em formação Aficcionado por comboios, história e política