Perfeição versus negligência / tolerância – o que nos torna melhores?
Uma Recensão bibliográfica por Catarina Abreu.
“Dor Fantasma” é o título do último livro de Rafael Gallo, merecidamente vencedor do Prémio Literário José Saramago 2022 e publicado pela Porto Editora em março deste ano.
O RMjornal publicará pelo menos uma vez por mês, uma recensão bibliográfica, dando preferência a obras de autores portugueses. Se é leitor e também gosta de escrever envie-nos a sua recensão, para análise e posterior publicação.
Neste romance, o autor brasileiro apresenta-nos Rómulo Castelo, um virtuoso pianista e professor de piano, que procura a excelência da perfeição, enclausurado na sua bolha egocêntrica, com uma intransigência inabalável com todos os que o rodeiam.
A perfeição é a única razão de existência para Rómulo Castelo, personagem obsessiva.
O romance desenrola-se num crescendo dramático, que se vai intensificando ao longo do livro. Um acontecimento trágico derruba de forma permanente o projeto de vida de Rómulo Castelo, incapacitando-o.
Contudo, o pianista recusa-se a aceitar a realidade, nega a sua incapacidade que o torna equivalente ao filho que nunca aceitou por considerar qualquer limitação como um defeito. E o defeito é contrário à perfeição que ele tanto persegue.
Tal como em “Ensaio Sobre a Cegueira” de José Saramago, a personagem de Rafael Gallo também não se torna um ser melhor devido à sua condição incapacitante.
Rafael Gallo inspirou-se na sua própria depressão para criar este romance e esta personagem, talvez por isso mesmo tão real. A depressão não se manifesta apenas com tristeza, medo, afastamento e baixa autoestima. A depressão também pode ser raiva, frustração, negação.
O autor aborda neste romance temas importantes como, além da depressão, a deficiência, a intolerância, as relações familiares, os polos da exigência e da negligência, o egocentrismo e a influência e dependência atual das redes sociais e seu imediatismo, entre outras questões.
Neste romance, Rafael Gallo transporta-nos para reflexões profundas sobre o que esperamos de nós próprios e como achamos que os outros nos vêm – que nem sempre corresponde à realidade.
O que é mais importante na vida? Provarmos que temos capacidades acima da média, tornando-nos excelentes profissionais, dominando uma técnica na perfeição (ou convencermo-nos disso) ou assumirmos as nossas limitações e fraquezas, bem como as dos outros, apreciando as conquistas e sucessos possíveis dentro da nossa condição humana, não perdendo a ligação com a realidade e pessoas que nos rodeiam?
Congratulo o autor por este merecido prémio, que permitiu a divulgação deste romance no espaço lusófono e continuarei a seguir a sua obra.
Este livro traz comentários dos elementos do júri deste concurso literário, nomeadamente, Gonçalo M. Tavares, Valter Hugo Mãe, João Tordo, Bruno Vieira Amaral, Pilar del Río e Nélida Piñon.
Um romance muito bem escrito, quer em intensidade emocional como riqueza semântica e de vocabulário, mas ao mesmo tempo numa linguagem acessível e fácil de acompanhar numa leitura fluída. Difícil de largar depois de começar a ler.
Recomendo vivamente.