Nas escolas de referência os meninos sabem estar sentados sem vacilar. Sabem estar concentrados sem mexer, e sabem, pasmem-se, “ser felizes”, sem fazer barulho. O funcionário mais apto é usualmente o que menos responde e o que tem menos vida pessoal, porque está sempre disponível.
Temos tendência a dominar a técnica. A evoluir na ciência, a procurar a cura das doenças, os meios de transporte mais velozes, as fontes de sustentabilidade mais económicas, os voos mais altos.
Gostamos de prosseguir na crista das ondas, na ponta do iceberg, no topo da montanha, na vanguarda de tudo. Possuímos teorias diversas de evolução, de conhecimento, de análise sobre a natureza e sobre o espaço.
Criamos respostas para o concreto e utopias para as dúvidas da existência. Gostamos de nos sentir mais além do que os nossos antepassados, e permitimos que o capitalismo nos norteie a vida como um pêndulo que paira sobre nós, tendencioso e persistente.
Não me apraz contrariar nada disto, mas questiono-me em diversos pontos fulcrais, sobre porquês que me assaltam como se eu fosse uma criança de cinco anos, na idade em que a dúvida e a questão valem acima de qualquer resposta: passamos a vida a tratar problemas secundários e a esquecer os primários.
Quando nascemos ingressamos num turbilhão de normas e regras que norteiam a sociedade, sem foco na individualidade. Colocamos as crianças na escola sobre o escrutínio da regra, formatamos programas universais, padronizamos objectivos específicos e elaboramos ementas tipo, quer para o almoço quer para as acções, como se a norma valesse sobre a personalidade.
Nas escolas de referência os meninos sabem estar sentados sem vacilar. Sabem estar concentrados sem mexer, e sabem, pasmem-se, “ser felizes”, sem fazer barulho. O funcionário mais apto é usualmente o que menos responde e o que tem menos vida pessoal, porque está sempre disponível.
O cidadão mais exemplar é o que se apresenta de semana no trabalho, ao Sábado na lida da vida, ao Domingo na missa, devidamente acompanhado pela família. Pode ir de férias no verão para descansar, mas se for à neve no Inverno está a estragar dinheiro que pode vir a fazer falta.
O resultado disto, e de muitas outras orientações normativas, tornam o mundo num lugar aborrecido, onde parece existir uma certa supremacia do global, em detrimento do que cada pessoa escolher para si própria.
Anulamos necessidades individuais, atenuamos vontades e ímpetos, deixamos de quebrar barreiras porque elas cobram custos que nem sempre conseguimos suportar, e neste seguimento ficamos muitas vezes doentes.
Refugiamos o nosso património emocional em vícios diversos, que podem ir desde a alimentação excessiva a outras adições, e o sistema gasta recursos no tratamento, quando nada se parece fazer pela prevenção.
Não há educação para a consciência e para a felicidade, há padrões que se vendem em função do capitalismo. Não há procura por objectivos pessoais diversos, há um encaixe nas profissões de sucesso. Não há autoconhecimento nem autocuidado, que poderia ser potenciado com diversos recursos de educação e de saúde mental, há paliativos que “tratam” depressões muitas vezes crónicas, porque não se activam os recursos necessários para as evitar.
Nos últimos anos, assistimos a uma degradação da resposta dos serviços de saúde, mental e física. O apelo foi forte, foi necessário dar respostas prontas, mas é necessário reflectir e redimensionar, se não quisermos entrar nesta continuidade de remedeio, pouco produtiva e profundamente nociva para o ser humano.
O ser humano e a sociedade necessitam de cuidar de si próprios, e para isso precisam de recursos práticos, de pensamento, de conhecimentos, aliados essenciais para que se consiga sair desta espiral um tanto ou quanto doentia, onde todos lutam por uma espécie de felicidade fátua e vazia. Porém profundamente exigente em custos, quer económicos, quer pessoais.
Veja outras crónicas de Carla Raposo Ferreira
Carla Raposo Ferreira, é Psicóloga e escreve às Segundas-feiras no Rio Maior Jornal.