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Trabalho doméstico

PERGUNTEI AO VENTO – Trabalho doméstico no âmbito da relação conjugal

A prestação de trabalho doméstico por um dos membros do casal em detrimento do outro e benefício dos familiares é recorrente.

Seja no âmbito do casamento, seja em sede de união de facto, são inúmeros os casos em que um dos elementos – normalmente a mulher- abdica de qualquer atividade profissional remunerada para cuidar ou dos filhos, ou dos familiares próximos. Relações há com dezenas de anos de vida em comum em que um dos elementos do casal nunca desenvolveu atividade profissional exatamente porque se dedicou aos cuidados domésticos.

Nestas circunstâncias, enriquecendo o património “comum” dos cônjuges através dos proventos obtidos no exercício de atividade profissional de um deles, e cessada a relação conjugal, torna-se necessário repartir os bens adquiridos ao longo da vida comum, esgrimindo, em regra, um desses elementos com o facto de o outro nunca ter trabalhado e, por isso, não dever ter direito a comungar do património.

Tempos houve em que a corrente jurisprudencial dominante declarava que o exercício de funções domésticas correspondia ao exercício de uma obrigação natural e que por isso mesmo não seria valorada no cômputo global. Tratava-se, dizia-se, do cumprimento de um dever de ordem moral ou social, correspondente a um imperativo de justiça, e não exigido pelo direito vigente.

Os tempos alteraram-se e são agora de plena igualdade conjugal.

Daí que não surpreenda que o Supremo Tribunal de Justiça tenha, recentemente, declarado que aquela construção é válida quando a lide doméstica da casa onde ambos vivem e a educação dos filhos é repartida pelos dois parceiros da união de facto em proporções relativamente equilibradas. Mas já assim não sucede quando essas funções são assumidas exclusivamente ou sobretudo por um dos elementos do casal, verificando-se um manifesto desequilíbrio na repartição das tarefas domésticas.

Nessas circunstâncias de desequilíbrio evidente, assume o Supremo Tribunal, não é possível considerar que a prestação do trabalho doméstico e os cuidados, acompanhamento e educação dos filhos correspondem, respetivamente, a uma obrigação natural e ao cumprimento de um dever, existindo uma causa para o enriquecimento resultante da desproporção na repartição de tarefas.

Trata-se de fazer valer a proclamada igualdade conferindo-lhe um cariz de efetivação e abandonando a ideia formal do direito consagrado na Constituição da Republica Portuguesa e em todos os instrumentos jurídicos internacionais vinculativos no Estado Português.

Como também expressou o mais alto Tribunal desde há muito que a exigência de igualdade é inerente à ideia de justiça, pelo que não é possível considerar que a realização da totalidade ou de grande parte do trabalho doméstico de uma casa, onde vive um casal em união de facto, por apenas um dos membros da união de facto, corresponda ao cumprimento de uma obrigação natural, fundada num dever de justiça. Pelo contrário, tal dever, reclama uma divisão de tarefas, o mais igualitária possível, sem prejuízo da possibilidade de os membros dessa relação livremente acordarem que um deles não contribua com a prestação de trabalho doméstico, na lógica de uma especialização dos contributos de cada um .

Reconheceu-se, deste modo, o valor económico do trabalho doméstico prestado em contexto familiar e, para além disso, a inexistência de motivos para que o encargo que o mesmo constituiu ao longo da relação não seja também contabilizado nas contribuições que permitiram ao outro membro adquirir património no decurso da relação de união de facto.

Um passo em frente!

Manuela Fialho

N.R. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações da Direção do RMJornal, mas não é por isso que deixam de ser publicados.

Manuela Fialho
Manuela Fialho nasceu no Cartaxo, residindo desde a infância, em Rio Maior. Empenhada no movimento associativo, designadamente o regional onde integra os órgãos sociais de várias associações e participou na fundação e instalação de outras, vem, desde há alguns anos, colaborando com a imprensa local. É membro do Centro de Investigação Joaquim Veríssimo Serrão, ali integrando o Conselho de Redação das Revistas MÁTRIA XXI e MÁTRIA DIGITAL. Publica em revistas de cariz jurídico. Tem colaborado como conferencista e/ou docente com o Centro de Estudos Judiciários, com a JUTRA –Associação Luso Brasileira de Juristas do Trabalho, com a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e com a da Universidade Nova de Lisboa. É juíza desembargadora.

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