“De um lado, o direito à integridade física e moral na sua vertente de direito ao sono e ao repouso; de outro, o direito de propriedade.”
Maria e António são donos de uma casa de habitação com logradouro que confina com a dos seus vizinhos Joaquim e Adelina. Estes, junto ao muro divisório edificado por aqueles, construíram um anexo para criação e recolha de animais, nomeadamente galinhas e coelhos. Tais animais produzem dejetos e excrementos que são retirados, sendo o respetivo solo limpo. As galinhas e os galos (pelo menos 10) todas as manhãs, entre as 3 e as 5h, fazem um barulho estridente que acorda Maria e António, interrompendo o seu descanso e, por isso, não mais conseguem adormecer de uma forma regeneradora, adequada e razoável. Por causa dos ruídos produzidos pelas referidas aves, ambos, por várias vezes, se levantam com sintomas de falta de repouso.
Por tal razão resolveram ir a Tribunal pedir que que se declare e reconheça que aqueles no seu anexo, com a sua atividade de criação e recolha de quaisquer animais, causam, de madrugada, ruídos estridentes, altos e repetidos que os atingem e aos seus filhos, causando-lhes um prejuízo substancial para o uso da habitação, assim violando o seu direito a um ambiente sadio e equilibrado, ao repouso, sossego, tranquilidade e bem-estar, e que paguem indemnização pelos danos causados, cessando com a atividade de criação dos animais.
Esta pretensão veio a ser acolhida, tendo o Tribunal ordenado a remoção das aves do local de modo a não ser perturbado o direito ao descanso e condenado os réus no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais.
A presente introdução conta uma história verídica e serve de mote à temática do direito à saúde e ao bem-estar de cada um. De um lado, o direito à integridade física e moral na sua vertente de direito ao sono e ao repouso; de outro, o direito de propriedade.
Algo com que a vivência em meio rural, não obstante o romanticismo associado à mesma, não convive bem.
Na verdade, sabe-se dos incómodos causados pela proximidade de explorações pecuárias, nomeadamente os cheiros e ruído associados às mesmas, não encarando uma boa parte da população a necessidade de, no confronto com a atividade de cariz económico, ser absolutamente essencial que a casa onde se construiu o centro de vida se possa revelar agradável a todos os níveis. Muito concretamente, no concernente ao bem-estar que advém da inexistência de maus odores ou ruídos insuportáveis.
Ignoram que a privação do sono, do descanso, do sossego e do bem estar acarreta alterações fisiológicas como cansaço, fadiga ou ansiedade com repercussões nefastas a nível pessoal, profissional e social.
Há, obviamente, um certo grau de tolerância que é exigível aos vizinhos, que, por isso mesmo, devem suportar algumas contrariedades e incomodidades daí advenientes. Porém, essa tolerância e limitação deverão apenas ocorrer na medida adequada e proporcional à satisfação dos interesses tutelados pelo direito dominante, para que todos possam continuar a viver em sociedade no ambiente rural que escolheram. E o direito dominante nestas situações é o direito à integridade física, situação que os tribunais declararam perante a demanda de que acima dei nota. Presente nesta declaração o reconhecimento de que a dignidade da pessoa humana em que se baseia a nossa república tem um conteúdo a acautelar no âmbito da tutela da personalidade. Uma tal proclamação não constitui uma vacuidade!
Pela sua saúde não se conforme!
Manuela Fialho