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PERGUNTEI AO VENTO – Trabalho escravo em Portugal

Em época natalícia o ambiente é propício à reflexão, à partilha, à solidariedade. Infelizmente também ao consumo desenfreado.

Centremo-nos, para já, na reflexão, algo mais condicente com uma crónica de jornal!

De entre o muito que se fez nos últimos 50 anos, a Constituição da República Portuguesa é uma das maiores aquisições. Dela emergem os princípios orientadores do Estado Português, muito concretamente o objetivo ali declarado de alcançar a democracia económica, social e cultural com respeito pela dignidade da pessoa humana. E, ao mesmo tempo, o propósito de organizar o trabalho em condições socialmente dignificantes.

Numa sociedade deste cariz é suposto estarem erradicadas quaisquer práticas de escravidão. Porém, a realidade vem demonstrando a instituição de novas modalidades de escravatura e de tráfico de pessoas, assentes, por um lado, na exploração de mão-de-obra agrícola e industrial e, por outro, na exploração e tráfico de seres humanos com vista à prática da indústria do sexo ou comércio de órgãos humanos.

Portugal congrega, nesta data, cerca de um milhão de imigrantes oriundos dos mais diversos pontos do globo. Do Brasil até á índia, da China à Ucrânia, dos países de língua portuguesa em África até à Inglaterra e França… Comunidades cada uma com a sua especificidade e com condições de vida muito distintas.

Os portugueses também não deixaram de emigrar, muito embora os fluxos migratórios tenham diminuído substancialmente nos últimos anos. Ainda assim estima-se que 20% dos nacionais vivam no estrangeiro.

É, pois, chocante, assistir a práticas de trabalho sem salários, sem liberdade e em regime de detenção ou carcere privado, muitas vezes passando fome e outras privações.

Não obstante a lei punir criminalmente a utilização de trabalho de cidadãos estrangeiros em condições abusivas ou degradantes, estando prevista a responsabilização criminal quer dos intermediários, quer dos próprios beneficiários da prestação, certo é que o recrutamento ilegal continua e o aproveitamento da mão-de-obra barata por parte de empresários nacionais sem escrúpulos é uma realidade. As mais das vezes a beneficiarem do trabalho em causa disponibilizando remunerações abaixo do salário mínimo nacional (ou sem dependência de qualquer retribuição) e condições de habitabilidade absolutamente indignas e desumanas.

Sem escrúpulos na imposição de rendas elevadíssimas para os espaços que disponibilizam, cúmplices de abusos traduzidos na exigência aos imigrantes de valores exorbitantes para regularização das suas situações, e manifestando desprezo pela solidão em que estes vivem, não se inibem ainda da verbalização dos seus preconceitos racistas.

Ora, só quem não quer ver é que não percebe que os imigrantes enriquecem o país do ponto de vista cultural, humano, social, e contribuem de forma significativa para o crescimento económico. No último relatório do Observatório das Migrações consta que os imigrantes deram mais de 1600 milhões de lucro à Segurança Social e que certos setores económicos estariam em colapso não fora o seu contributo.

Reflita-se então! Escravizar ou, de um modo geral, ostracizar estas comunidades significa aniquilar a respetiva integridade física e moral, a liberdade, a honra, bens jurídicos inerentes à personalidade e desde há muito protegidos pela ordem jurídica portuguesa.

É este o Natal que queremos?

N.R. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações da Direção do RMJornal, mas não é por isso que deixam de ser publicados.

Manuela Fialho
Manuela Fialho nasceu no Cartaxo, residindo desde a infância, em Rio Maior. Empenhada no movimento associativo, designadamente o regional onde integra os órgãos sociais de várias associações e participou na fundação e instalação de outras, vem, desde há alguns anos, colaborando com a imprensa local. É membro do Centro de Investigação Joaquim Veríssimo Serrão, ali integrando o Conselho de Redação das Revistas MÁTRIA XXI e MÁTRIA DIGITAL. Publica em revistas de cariz jurídico. Tem colaborado como conferencista e/ou docente com o Centro de Estudos Judiciários, com a JUTRA –Associação Luso Brasileira de Juristas do Trabalho, com a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e com a da Universidade Nova de Lisboa. É juíza desembargadora.

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