Paradoxos na jurisdição laboral
A Justiça Laboral, tal como hoje a conhecemos, foi introduzida na ordem jurídica nacional após a Revolução de Abril de 1974. O próprio Direito do Trabalho, ainda por muitos tido como um ramo de direito menor, demorou algum tempo a ser introduzido nas escolas jurídicas como disciplina autónoma.
Atualmente não existe qualquer pejo em afirmar a desigualdade subjacente às relações laborais e a aversão do Direito do Trabalho à autonomia negocial. Circunstâncias que são apontadas como justificativo da autonomia da disciplina.
A complexidade das relações laborais adensou-se e, com ela, a disciplina que lhes está subjacente impôs novos e difíceis desafios aos tribunais. Basta lembrar o surgimento de figuras como o tripartido contrato de trabalho temporário, o desenvolvimento de relações com características de laboralidade através de plataformas digitais ou realidades económicas amplamente assentes no Direito Europeu como as que decorrem da transmissão do estabelecimento ou de parte dele. Já para não falar da sinistralidade laboral e de toda a construção jurídica em seu redor ou das questões conexas com o Direito Coletivo do Trabalho (as primeiras e estas raramente lecionadas na universidade).
E, se há alguns tempos atrás – últimas décadas do Séc. XX- os tribunais de trabalho eram ecossistemas onde pululavam apenas os desfavorecidos, a atualidade faz deles o palco procurado também por quadros de topo a quem, mais cedo ou mais tarde, a necessidade de justiça se impõe.
É neste contexto que o juiz laboral tanto é chamado a pronunciar-se sobre situações de verdadeira exploração de trabalhadores ou de privilégios com que apenas alguns são contemplados.
Chegam agora aos tribunais do trabalho ações intentadas por quadros diretores que reclamam prémios de produtividade acordados com a empregadora no valor de mais de um milhão de euros ao mesmo tempo que se reclamam direitos decorrentes de situações de exploração que tocam a escravidão, como é o caso de trabalhadores que durante anos prestam a sua atividade sem que lhes seja disponibilizada retribuição. Ou administradores com salários mensais de dezena e meia de milhares de euros ao mesmo tempo que se ajuízam situações em que operários fabris ousam levantar a voz para recusar trabalho suplementar vendo-se confrontados com a aplicação de sanções que passam pela colocação em isolamento numa qualquer sala da fábrica!
Situações em que é evidente o desequilíbrio formativo de cada uma das categorias de trabalhadores. Todas estas questões emergem de relações de trabalho subordinado e, por isso, compete aos juízos do trabalho o respetivo julgamento. Para todas elas o regime processual aplicável é o mesmo, regime que passa, necessariamente, por, pelo menos, duas tentativas de conciliação presididas pelo juiz que então terá que se munir das suas competências de mediador na consciência de que a relação em presença é desigual. Com a noção de que em cada um destes casos a própria desigualdade não é semelhante e que a debilidade negocial que levou à instituição do Direito do Trabalho sofreu uma enorme modificação.
Manuela Fialho
N.R. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações da Direção do RMJornal, mas não é por isso que deixam de ser publicados
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