Do amor ao vínculo jurídico
Que existem diversas formas de amar, já se sabe. Que de tais formas possam nascer vínculos jurídicos é algo que merece discussão e vem evoluindo paulatinamente.
A união entre duas pessoas vem sendo encarada, na idade contemporânea, como resultado de uma relação amorosa. Associada à ideia de casamento, um contrato cujo objetivo é a constituição de família mediante uma plena comunhão de vida. Igualmente, e desde tempos mais recentes, associada à denominada união de facto, um ato consensual, devendo a vontade de cada um dos nubentes ser expressa de forma pessoal. A lei define-a como a situação jurídica de duas pessoas que, sendo maiores de idade, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos – comunhão de vida, leito e habitação.
Os vínculos em questão partem, do ponto de vista social, de uma conceção romântica de tais associações, vindo o Direito a instituir mecanismos de proteção da família quer em sede de casamento, quer em sede de união de facto – esta reconhecida no ordenamento jurídico nacional desde 2001-, e assumindo-se como formas de instituição familiar as uniões entre pessoas do mesmo ou de distinto sexo.
Inovações introduzidas já neste século e que contemplam famílias monogâmicas.
A monogamia, mesmo em sociedades de matriz ocidental, vem, porém, sendo objeto de discussão, revelando-se a vida real muito mais complexa do que poderíamos imaginar no conforto das nossas vidas ditas “regulares”.
Não é, por isso, de estranhar, que vejamos já aberto o debate para a introdução de mecanismos de proteção legal das famílias conhecidas como poliamorosas.
Os desafios jurídicos são vários. Estas famílias ou parcerias podem constituir-se entre solteiros, entre casados, entre uns e outros, bem podendo dar-se o caso de cada um dos intervenientes reclamar, por exemplo, o direito ao acompanhamento do outro na doença. Imaginemos a receção de uma instituição de saúde a ver reclamado o acesso, na condição de membro da “família”/”cônjuge” por três ou mais pessoas, do mesmo ou de distinto sexo. A quem reconhecer o direito? Poderão uns ser discriminados em benefício de outros?
E se introduzirmos na equação filhos/enteados? E casa de morada de família?
Em sede de união de facto foi reconhecido o direito a proteção da casa de morada de família, a beneficiar do regime jurídico aplicável a pessoas casadas em matéria de férias, feriados, faltas, licenças e de preferência na colocação dos trabalhadores da Administração Pública, a beneficiar de regime jurídico equiparado ao aplicável a pessoas casadas vinculadas por contrato de trabalho, em matéria de férias, feriados, faltas e licenças, à aplicação do regime do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares nas mesmas condições aplicáveis aos sujeitos passivos casados e não separados de pessoas e bens, a proteção social na eventualidade de morte do beneficiário, por aplicação do regime geral ou de regimes especiais de segurança social, a prestações por morte resultante de acidente de trabalho ou doença profissional e a pensão de preço de sangue e por serviços excecionais e relevantes prestados ao País. E mais recentemente também a adotar.
No momento atual a lei não dá qualquer cobertura a relações poliamorosas. Porém, o associativismo existe e vêm-nos notícias de que, no Brasil, já se conhecem mesmo iniciativas de ativismo jurídico no sentido de criação de instrumentos capazes de dar resposta às diversas questões que, num primeiro momento, também as uniões de facto – tal como as conhecemos na atualidade- colocaram e constituíram motivo de inquietude. Segundo a revista Visão[1], no espaço nacional, trabalha-se já numa proposta de reconhecimento legal dos novos formatos relacionais, de modo a consagrar mecanismos de proteção em caso de morte de algum dos parceiros e de reconhecimento de mais do que duas figuras parentais.
Liberdade para viver, dizem!
Manuela Fialho
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