A Genética e o Treino
A ciência abraça a genética como uma fonte de informação inesgotável no controlo do corpo.
Há um código transgerancional que nos ajuda a evoluir no conhecimento da doença, uma mais valia que deveremos aplaudir de pé, as conquistas têm sido enormes e têm permitido uma evolução que se transforma em longevidade, em cura, em vida. Deveremos por isso respeitá-la com toda a deferência que merece, mas talvez por vezes devêssemos analisar em nós próprios até que ponto nos pode dar todas as respostas a todas as nossas dificuldades.
De facto, é nela que encontramos dados certos e conclusivos para o brilho dos olhos azuis que passam de avós para os netos. É nela que poderemos encontrar razão para a figura alta ou esbelta que persiste e resiste aos séculos, pode ser nela que se justifica a luminância do cabelo loiro, a elegância de um nariz afinado, a impertinência do açúcar excessivo no sangue, a inoportunidade inestética de uma escoliose, ou ainda a repetição malfazeja de alguma demência que nos mata as lembranças.
É certo e sabido que as ciências do comportamento também lhe dão crédito. Também a consideram resposta para múltiplos cenários, dos mais patológicos aos meramente, como o próprio nome indica, comportamentais, e também recorre a ela para explicar inúmeras condições do ser humano. Não posso concordar mais.
Porém, também não posso deixar de referir que não deveremos sossegar inertes nestas teorias, que podem no limite descurar de certa forma a evolução e o treino responsáveis pela mudança, pois não há nada mais restritivo do que a acomodação ao que aceitamos ser nosso para sempre.
O Homem tem capacidade de mudança, sendo este um dos indicadores que nos torna adaptáveis e capazes o suficiente de seguir em frente, na bonança e na adversidade. Consegue vencer obstáculos, treinar competências, aprender, e também contornar com técnica e perícia, as suas próprias polémicas internas.
O juízo de valor, por exemplo, acto que nos acomete variadíssimas vezes sem qualquer tipo de propriedade, a não ser a presunção de que a nossa forma é a certa, em detrimento da do outro, supostamente errada, cabe perfeitamente para exemplo.
Contrariando o caminho da nossa própria afirmação pessoal, por vezes egoísta e centrada, fará eventualmente sentido algum trabalho pessoal perfeitamente exequível e facilmente evolutivo.
O exercício, porém, não se consegue sem empenho e esforço. Exige paragens de análise individual, carece de autocrítica, de respeito pelo outro, só avança na consciência humilde de que somos apenas um ser num universo de milhões, que por si só não move montanhas, não muda o curso dos rios, não cancela a evolução das espécies, nem será nunca detentor de uma verdade irrefutável e permanente no tempo.
A consciência da nossa pequenez é paradoxalmente uma das nossas grandezas, neste decurso pessoal.
Sinto curiosamente que desenvolvemos uma espécie de juízo de valor ainda maior perante quem consegue este esforço evolutivo do respeito e da liberdade. Mais parece uma admiração ressentida e melindrosa por um objecto possível, mas difícil, e por conseguinte reservado apenas a alguns. Uma pobreza consentida, versus uma riqueza enorme.
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Carla Raposo Ferreira, é Psicóloga e escreve às Segundas-feiras no Rio Maior Jornal.