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‘’MonteNegro’’, a Cidadania não está ao alcance de todos!

‘’MonteNegro’’, a Cidadania não está ao alcance de todos!

Deixando de lado as atenções direcionadas a Donald Trump, recordemos um acontecimento minimamente importante para o nosso país: «Habemus Orçamento!» — apenas na generalidade. A tentativa do Primeiro-Ministro, Luís Montenegro, de criar laços com a extrema-direita acabou por falhar. Recordo-me, por exemplo, do seu discurso de encerramento, no Congresso Nacional do PSD, quando decidiu tocar num ponto sensível, que não deixou uma imagem muito favorável — a revisão do programa da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, sujeita a «amarras de projetos ideológicos ou de fação».

Caro Primeiro-Ministro, o Monte ficou mesmo Negro! E aqui entenda-se como «Monte» o seu discurso e «Negro» o efeito provocado nas mentes de quem verdadeiramente serve a Educação no nosso país! Os aplausos sentidos e os comentários póstumos nas redes sociais, a favor desta medida, fizeram-me lembrar o nosso querido Eça, no primitivo prefácio d’As Farpas, na excelente passagem «a ignorância pesa sobre o povo como um nevoeiro». Fossem alguns dos nossos políticos mais conhecedores da realidade pedagógica e dos documentos que a orientam e a nossa Educação estaria ligeiramente melhor! Nem necessito de relembrar o facto de não saberem Literatura, até porque o problema já não é de agora. Camões, que retomarei mais tarde, alertava-nos, no século XVI, para um grande mal — «quem não sabe arte, não na estima». Bonitos e Verdes tempos em que os Discursos Políticos eram verdadeiramente deliciosos!

Na conjuntura política atual, este tipo de reações só vem tornar mais nítida a pirâmide de interesses sobre a Educação. Os mais perspicazes já repararam na despreocupação que existe, mais uma vez, com a formação inicial de professores — do que vale apresentarmos medidas de emergência, oferecendo as propinas aos atuais estudantes do Ensino Superior (no caso dos futuros professores de 3.º Ciclo e Ensino Secundário, apenas no mestrado), quando o número de vagas para os mestrados em ensino permanece igual? A esta pergunta o Sr. Primeiro-Ministro não responde! No seu tempo, não havia a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento… Talvez fosse interessante perder umas horinhas a ver um filme. Recomendo-lhe A Última Carruagem, de Ernesto Contreras. Sem grandes demoras, irá fazer uma viagem até ao México. Na representação da professora Georgina, dos respetivos alunos e de todo o ambiente espácio-temporal, prevalece a fonte primordial para um processo educativo de qualidade — a matéria-prima. Na pobreza económica daquelas famílias, onde o ensino não era uma prioridade, fica a importância da relação professor/aluno, em que o Professor é um Mestre e o livro a principal fonte de Saber. Se estes elementos estão em crise, como poderá um sistema educativo avançar?

Ainda assim, quase a terminar, não gostaria que pensassem que sou do contra. Por isso, deixo um elogio parcial ao discurso referido inicialmente, nomeadamente, no que toca à necessidade de mudar o programa de algumas disciplinas. No caso do Português, é necessário repensar a forma como se ensina a leitura de autores canónicos, bem como a beleza de bem escrever. É urgente colocar fim a esta «inclinação para o facilitismo mascarado de pseudo-rigor» (António Carlos Cortez)! As fichas de verificação de leitura, que ficam muito bem sumariadas, são uma verdadeira perda de tempo – são poucos aqueles que lêem as obras na íntegra. Substituam-se esses momentos por tertúlias literárias com os alunos, fazendo-lhes chegar textos que mudem as suas vidas, motivando-os a ler mais e melhor. Transforme-se a sala de aula num verdadeiro espaço de diálogo entre a Literatura e a Contemporaneidade. Contudo, não esqueçamos o mais importante — precisamos de uma matéria-prima estável e de qualidade!

Por fim, mas não menos importante, deixo os meus sentimentos à RTP. A colaboração com o Ministério da Cultura e a Biblioteca Nacional, para uma (alegada) série sobre a epopeia camoniana, Os Lusíadas, foi feita em cima do joelho e o resultado do primeiro episódio explica tudo — é preciso dizer Camões com «engenho e arte»! Tenho esperança de que os próximos sejam melhores…

PS: Corrijam, por favor, a Ficha Técnica do primeiro episódio — escreve-se Proposição no lugar de Preposição (o Poeta propõe o assunto a tratar)! Preposição é outra coisa…

N.R. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações da Direção do RMJornal, mas não é por isso que deixam de ser publicados

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António Coito
António Coito é estudante da Licenciatura em Português na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e estagiário na Fundação António Quadros. Além disso, desempenha várias funções, sendo Vice-Presidente da Direção da ATUAAÇÃO, Cidadão-deputado da Comissão de Educação e Ciência do projeto "Os 230" e Membro Suplente da Mesa do Plenário do NEFLUC. É também embaixador da Universidade de Coimbra e bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian. Interessa-se por temas como o Ensino da Literatura, a Formação (inicial e contínua) de Professores e os Hábitos de Leitura na Sociedade Atual. Escreve quinzenalmente para o RM Jornal.

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