Maior e acompanhado
A maioridade é, em regra, acompanhada da autonomia na gestão da vida pessoal de cada um, da livre tomada de decisões, da possibilidade de dispor de bens próprios ou de administrar o património, cumprindo ou não as obrigações a que se vincula.
Nem sempre as condições pessoais de cada um lhe permitem agir na solidão da sua responsabilidade.
Seja porque a doença os incapacita, impossibilitando-os de tomar certas decisões, seja porque são acometidos de adições que não controlam e, desse modo, ficam privados do necessário discernimento, há todo um conjunto de pessoas que precisa de ajuda para a gestão da sua vida corrente.
Foi reconhecendo tais necessidades que se instituiu, a partir de 2019, o regime dos maiores acompanhados.
É assim que quem estiver impossibilitado, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres, pode beneficiar das medidas de acompanhamento instituídas. Medidas essas a envolver sempre apreciação jurisdicional, ou não fosse esta uma forma de limitar direitos.
Estas medidas limitam-se ao necessário a cada caso concreto – sendo esta a grande novidade do sistema-, sendo avaliadas pelo tribunal perante as circunstâncias concretas de cada visado. E porque o objetivo é assegurar o bem-estar, a recuperação, o pleno exercício de todos os direitos e o cumprimento dos deveres da pessoa carenciada de ajuda, esta pode escolher aquele que o há-de auxiliar no exercício dos direitos e obrigações em presença.
Nem sempre quem precisa de ajuda o reconhece.
Estando a pessoa lúcida e sofrendo de alguma adição que a leve a desbaratar património ou a não se controlar nos consumos de substâncias perturbadoras, como sejam o álcool ou drogas, ou a desleixar o cumprimento de prescrições médicas, os familiares poderão sentir necessidade de ver limitados os seus poderes de disposição e administração do património. E confrontar-se com a negação do próprio.
O regime dá preferência a que seja este a solicitar o acompanhamento ou a dar autorização para que uma certa categoria de pessoas o possa despoletar em tribunal. É assim que, mediante autorização, seja o cônjuge ou o unido de facto, ou ainda qualquer parente sucessível, pode dirigir-se ao Tribunal e implementar o adequado processo.
Introduz-se, pois, aqui, um mecanismo de segurança de modo a que, valorizando a autonomia do visado, este tenha uma palavra a dizer sobre a matéria, pois não custa perceber o quanto intrusiva é uma medida deste género.
Perante uma situação em que a pessoa, devido a doença ou ao estado de fragilidade em que se encontra, apesar de necessitar de medidas de acompanhamento, não quer ou não aceita pedi-las, pode o tribunal decidir suprimindo a autorização da própria pessoa.
Será o caso se, sendo alegada uma dependência do álcool ou outras drogas, durante vários anos, com repercussões graves na capacidade de condução da vida pessoal e patrimonial do beneficiário, os filhos ou algum parente sucessível, entenderem por bem recorrer à medida.
Nessas circunstâncias, opondo-se o visado ao acompanhamento por terceiro, justifica-se que o tribunal controle de uma forma séria e ponderada se se justifica ou não suprir a falta de autorização do eventual beneficiário do acompanhamento. Na verdade, há que ter presente que os comportamentos aditivos têm forte impacto no funcionamento físico e psicológico do afetado, comprometendo o modo de agir da pessoa doente e com isso todas as valências de vida.
Subjacente ao suprimento da autorização deve, não obstante, estar sempre a preocupação pelo bem-estar e recuperação do acompanhado.
Uma situação que exige as maiores cautelas, mas que não pode deixar de ser equacionada de modo atingir o objetivo que o regime pretende alcançar e que não seja possível mediante o exercício dos deveres gerais de cooperação e de assistência que recaem sobre os familiares.
Ideal será mesmo o próprio, prevenindo uma eventual necessidade de acompanhamento, efetuar, num cartório notarial, um contrato através do qual confere a outra pessoa poderes para agir em seu nome na hipótese de, no futuro precisar de ajuda por não poder ou não conseguir agir sozinho. Situação também acautelada e que demanda, de todos e cada um de nós, uma alteração comportamental equivalente à que leva ao testamento vital.
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