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Liberdade

Liberdade, Libertas

Libertas non uenditur – A liberdade não está à venda

A liberdade, acabo por concluir, é um conceito que morre à nascença, sem que nada possamos fazer para o salvar.

Não falo da liberdade de circulação, de escolha, ou alguma outra mundana ou mais óbvia, sequer falo da utópica, essa sim, impossível de conceber tendo em conta a raiz vinculativa do ser humano.

Falo da real liberdade de ser e de estar, de podermos escolher o que queremos e como queremos, de podermos ser donos das nossas opções, e de nos ser possível decidir o que fazemos, com quem fazemos, como fazemos.

Pode parecer simples mas não é. Porque o custo a pagar por essas decisões está muitas vezes fora do nosso alcance, uma vez que não nos é possível dissociar a nossa liberdade de ser, da liberdade do outro em reagir e actuar, o que faz com que sejamos obrigados, em nome deste nosso direito, a suportar actos e palavras que nem sempre conseguimos ou queremos tolerar.

A primeira questão que me surge, é se esta submissão ao outro (ou a nós mesmos e às nossas necessidades), pode presumir a assumpção do conceito na essência. É que em nome do que nos é aceitável, vamos apenas crescendo numa certa pseudo liberdade, que só pelo nome nos liberta o consciente (ou será o inconsciente?), mas na prática apenas nos permite ser servos.

Servos dos outros e do controle das suas acções, protegendo assim o nosso eu de palavras ou gestos que não podemos (?) suportar. 

Até porque, para sermos (mais) livres, teremos obrigatoriamente de ser mais auto suficientes, na senda de conseguirmos manter fidelidade ao nosso conceito de individualidade, pouco complacente com as regras protocoladas, no geral. Temos ainda de ser mais responsáveis, mais tolerantes, mais (paradoxalmente?) sociais, dado que a nobreza do conceito não lhe permite que se reduza a uma esfera unilateral.

Necessita de dualidade, pluralidade, sintonia, harmonia, pois só assim assume o sentido da sua plenitude. Eu sou, tu és. Parece-vos confuso? Ora vejamos: um homem que sujeita um outro homem a uma subordinação, não é livre, é dependente. Um homem que sujeita outro homem à obediência cega, não é livre, está submisso à sua condição de totalitarismo. Um homem que sujeita outro homem à satisfação das suas vontades, não é livre, é dependente de terceiros para usufruto pessoal (terceiros imprescindíveis para que se assuma como ser mais inteiro, e na prática, tão mais fracturado). 

Por tudo isto a liberdade no seu estado mais puro, que por vezes ambicionamos ou até, na ignorância, reivindicamos, pode ser muito desorganizadora.

Porque na direcção da sua busca e, pontualmente, do seu encontro, tropeçamos inúmeras vezes nas nossas próprias dependências, no nosso eu mais interno, nas nossas fragilidades e necessidades relacionais (onde termina a minha carência e começa a minha escolha? ).

Assumimos a travessia numa espécie de barco sem leme, abrimos margem para o medo, e tornamos o porto num desgoverno inseguro, totalmente contrário ao que parecemos precisar.

Questiono-me até que ponto estas (entre outras) questões, não tornam o conceito de Liberdade numa impossibilidade de execução prática, uma espécie de busca incessante por uma solução que não saberíamos suportar. 

Sempre na mira da evolução, pergunto-me inúmeras vezes onde poderemos encontrar esse equilíbrio idílico que nos permitiria existir em liberdade, sem que os extremos nos apunhalem e nos derrubem sempre, logo no início do caminho. Onde morará essa fabulação esdrúxula, capaz de criar horas de discussão, milhares de teorias filosóficas, e inúmeras conjecturas, todas elas muito próximas do engano?

Não sei, rendo-me sempre à ignorância (a mais sábia de todas as teorias?). Mas parece-me que sem auto-conhecimento, no que toca ao individual, e no respeito, no que toca ao colectivo, nada mudará. Estamos (felizmente?) longíssimo, portanto. E se um dia lá chegarmos, talvez não consigamos olhar para o que encontraremos. E seja esse, eventualmente, o grande recuo da humanidade.  

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Carla Raposo Ferreira, é Psicóloga e escreve às Segundas-feiras no Rio Maior Jornal.

Carla Raposo Ferreira
Psicóloga, Terapeuta do luto. Exerce clínica privada nos distritos de Santarém e Leiria.