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Rousseau ou o mau selvagem

Ismos E Rousseau – Mérito ou Seguidismo

Rousseau ou o Mau Selvagem

Consideremos a máxima de Rousseau,  o homem nasce bom, sendo a sociedade  que o corrompe, para início desta análise.

Seria de algum agrado esta realidade, que colocaria o Homem num patamar existencial considerável à priori, sem necessidade de qualquer tipo de análise científica que corroborasse a nossa ingenuidade. Seria invariavelmente o posterior contacto social o responsável pelo fim dessa pessoa íntegra (uma espécie de soma de todas as partes que se torna por si só, cruel), que ao longo da vida a ia inserindo nos meandros diversos da evolução, chegando então a um patamar de maldade, ou eventualmente de egocentrismo, que a colocaria então num patamar mais questionável.

A meu ver, um processo inverso ao pretendido.

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Porém, e respeitando todas as teorias e todas as crenças, há traços de carácter que encontro amiúde, não raras vezes envergonhados, que me transportam para outras fontes de análise e para o levantamento de outras questões. Convido à auto-análise, o mais difícil dos exercícios, se pretendermos a grandiosa empreitada de reconhecermos e validarmos todos os resquícios da nossa humilde existência.

Convido a identificarem quantas vezes sentiram inveja, quantas experiências de raiva ou ódio já defrontaram, quantos dias da vossa vida perderam a ruminar no sucesso alheio, em vez de se debruçarem sobre o vosso próprio percurso.

A educação constitui, quanto a mim, uma das grandes armas para lutar contra determinados laivos interiores, que na indómita vontade de assunção, podem causar danos morais significativos na nossa avaliação, sobre nós próprios, e sobre os outros.

É no crescimento moral e na educação, e também no nosso percurso de evolução pessoal, que aprendemos o valor da diferença e o respeito pela mesma.

É lá que nos ensinam a valorizar o próximo pelo próximo, e não pelo que aparenta ser ou ter. É nesse círculo de valores que desenvolvemos conceitos como sintonia, empatia, genuinidade e generosidade, como grandezas que nos norteiam o caminho e nos guiam, na claridade e na escuridão.

Porém, a nossa base de existência, nem sempre caminha lado a lado com esta humildade. É fácil (e se efectuaram o pequeno exercício de auto-análise, compreenderão isso), a invasão do nosso lado menos bom, uma espécie de sítio sombrio e forte, prepotente, insistente, ora vejam: é rápida a velocidade com que tantas vezes nos julgamos superiores, mesmo quando na realidade nada disso seja verdadeiro (porque a superioridade é um conceito falacioso).

É veloz o ímpeto de ser o melhor aluno, o melhor profissional, o ser mas perfeito, o dono da razão, tudo questões culturais e educacionais que em certa medida avançam a par e passo com o nosso caminho, “grandezas” tantas vezes validadas e impulsionadas por educadores, pais, pensadores, que na teoria enaltecem uma igualdade utópica, mas que na prática não sabem o que ela é. E por isto, nem sempre a nossa consciência caminha do lado da humanidade.

Finalizando, e chegando ao cerne que pretendo com este meu discurso, concluo, hoje com evidências muito claras, que o fascismo, não morreu. Não morreu o racismo, muito embora há quem tente acreditar que sim, não morreu o autoritarismo, o absolutismo, não morreu a perseguição cega ao poder.

O nosso país, na pessoa de inúmeros eleitores, ainda grita nas entranhas pelo pré 25 de Abril, onde as regras do mais forte dominavam o mais fraco, e onde qualquer tipo de minoria (palavra que não aprecio, mas que aqui se aplica), era desconsiderada e desrespeitada por quem julgava ser o detentor da verdade, da regra, da certeza.

O que aconteceu nos últimos anos, foi uma espécie de vergonha em assumir esta posição. Foi um medo de gritar mais alto que ainda se gosta de mandar, de ordenar, de vociferar e de discriminar. Um líder político que o ousou fazer, foi o bastante para acordar estas vozes escondidas por um sistema que se julgava a caminhar em frente. É esta grande parte da explicação que encontro para uma brutal ascensão de uma extrema-direita, num país de brandos costumes.

Aproveito o termo para dissertar sobre ele.

O brando costume é muitas das vezes inimigo da evolução e da mudança. É mais fácil ser obediente, nem que quem manda seja um ditador.

É mais fácil não apresentar resistência, mesmo que quem nos comande seja um louco.

É mais fácil entregar o caminho à força desnorteada de um líder nefasto, do que lutar com as nossas forças contra o que sabemos ser errado, desumano, impróprio para o meu caminho enquanto pessoa.

A brandura com que nos entregamos aos extremos reflecte uma ignorância deplorável, com a história que temos e o mundo que conhecemos. Reflecte que a humanidade ainda se encontra longe do objectivo nobre do respeito, e mantém-se parada, inerte, na sombra desesperada da obediência.

“(…)De facto, não existe nada mais deplorável do que, por exemplo, ser rico, de boa família, de boa aparência, de instrução regular, ser até bom, e ao mesmo tempo não ter nenhum talento, nenhuma peculiaridade, inclusive nenhuma esquisitice, nenhuma ideia própria, ser terminantemente “como todo o mundo”. (…)” (Fiódor Dostoiévski, O Idiota.)

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Carla Raposo Ferreira, é Psicóloga e escreve às Segundas-feiras no Rio Maior Jornal.

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Carla Raposo Ferreira
Psicóloga, Terapeuta do luto. Exerce clínica privada nos distritos de Santarém e Leiria.