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Jornalismo e Populismo

Informação ou espetáculo?

Informação ou espetáculo? A delicada fronteira entre jornalismo e populismo

A cobertura mediática da política, nos dias que correm, tende a confundir informação com espetáculo. Já não é raro encontrar noticiários que mais se assemelham a programas de entretenimento: edição frenética, dramatização visual, entrevistas improvisadas, soundbites cuidadosamente recortados. A forma sobrepõe-se ao conteúdo, e a notícia torna-se, gradualmente, produto — com o cidadão reduzido a consumidor.

Neste contexto, partidos e figuras com discursos extremistas e populistas ganham visibilidade desproporcional. O seu apelo direto, emocional e frequentemente polarizador encaixa bem nos formatos televisivos e digitais que privilegiam o impacto imediato em detrimento da análise. A promessa de audiência parece justificar a cedência editorial. O resultado, porém, é uma cobertura que frequentemente carece de profundidade e de sentido crítico, e que, de forma involuntária, pode legitimar ou amplificar mensagens que antes se situavam nas margens do discurso público.

Não se trata de sugerir que os media promovem ativamente estas ideias. Mas sim de reconhecer que, na luta por relevância e atenção, há um risco real de se tornarem veículos de normalização de discursos radicais. O populismo, que muitas vezes apela à emoção e simplifica problemas complexos em narrativas maniqueístas, é particularmente eficaz neste cenário. A política é tratada como um enredo em que há heróis, vilões e uma constante sensação de urgência — ainda que o debate real fique ausente.

É importante notar que esta tendência não é exclusiva dos canais sensacionalistas. Mesmo órgãos de comunicação com tradição de rigor caem na tentação de dar palco a declarações polémicas sem o devido enquadramento. A improvisação noticiosa, comum nos ciclos de 24 horas, contribui para esse ambiente. A ausência de filtros sólidos abre espaço para a fabricação de figuras mediáticas cuja notoriedade depende mais da provocação do que da substância.

Este fenómeno não deve ser lido como um problema exclusivamente mediático. Reflete também uma transformação cultural mais ampla, em que a fronteira entre informação, opinião e entretenimento se tornou difusa. Ainda assim, os media desempenham um papel central na forma como o discurso público é enquadrado. A forma como se apresenta uma ideia — ou um candidato — influencia a forma como essa ideia é percecionada e debatida.

A mediatização da política não é nova. Mas a sua intensidade atual, combinada com o alcance das plataformas digitais, cria desafios inéditos. O jornalismo continua a ser um pilar essencial da democracia. Mas para sê-lo, precisa de resistir ao apelo do imediatismo e recuperar a capacidade de contextualizar, filtrar e questionar.

A cobertura da política não deve ser um palco, nem um espelho deformador. Deve ser, acima de tudo, um espaço de esclarecimento. Num tempo em que os extremos se alimentam do ruído, o silêncio da razão torna-se um risco demasiado grande.

N.R. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações da Direção do RMJornal, mas não é por isso que deixam de ser publicados

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Benedito Roldão
Benedito Roldão é o pseudónimo de cidadão riomaiorense, que por razões de liberdade de expressão, escreve sobre pseudónimo. O RMJornal, respeita em pleno o pedido dos seus colaboradores na preservação da sua identidade.

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