Fear of Missing Out
Se eu não fosse, era sinal que não estava a aproveitar a vida a 100%.
Viva pessoa alfabetizada, como está? Bem dispostinho? Peço, desde já, desculpa pelo uso totalmente desnecessário deste diminutivo. Mas neste preciso momento encontro-me a figurar com um palito na boca, camisa com apenas três sofríveis botões apertados e um ligeiro escaldão de cara. E o conjunto destas circunstâncias torna, como toda a gente sabe, obrigatória a utilização de diminutivos em palavras que não querem de forma nenhuma representar uma versão mais diminuta da palavra original.
Exemplos clarinhos desta prática acontecem quando tios de bigode desconfortável e alpercatas gastas em férias no Algarve usam palavras e/ou expressões como: “maltinha, dêem-me licença que vou ali ao arbusto fazer um xixizinho”; “olha Gabriel, trouxe aqui um chouricinho mesmo bom para tu provares”. E em último, mas não por isso menos importante, o clássico da cultura portuguesa de tios de meia-idade – “Oh campeão, queres ir ali ao café beber uma cervejinha com os cotas?”.
Leitor, espero que tenha lido isto com a voz do seu tio bizarro, é a melhor e a única maneira de o fazer. Se estiver a achar que não tem nenhum tio na família que encaixe nesta descrição, lamento informar, mas o mais provável é que seja o próprio leitor. Gosto que estas introduções estejam a ficar cada vez mais compridas, breve faço uma crónica inteira só com a introdução. Era giro de se ver.
Seguindo então para o que nos trouxe aqui hoje, e tendo em conta que umas linhas acima mencionei o Algarve e escaldões, queria manter-me nesse registo e falar sobre ir à praia. Mais propriamente, sobre não ter ido à praia e toda a odisseia de emoções que isso gerou.
No passado fim-de-semana, as temperaturas aumentaram, e, como qualquer bom português, o primeiro pensamento a vir à cabeça foi o de ir à praia. Comigo não foi diferente. De facto, pensei imediatamente em ir à praia, mas depois pensei “hmm, na verdade, nem me apetece assim tanto”. E descartei a ideia. Até aqui, tudo bem, optei por ficar em casa a ganhar raízes. O problema veio depois, quando abri as redes sociais e fui violentamente sufocado com fotos e vídeos de toda a gente na praia, literalmente, toda a gente. Naquele dia não havia um único cidadão no interior do país. As casas estavam todas vazias e nenhuma foi assaltada. Porquê? Porque os ladrões também estavam na praia.
E ver toda a gente na praia fez com que eu ficasse a sofrer de F.O.M.O (fear of missing out), que se traduz num sentimento de inveja, desconforto e/ou tristeza por vermos determinado grupo de pessoas a fazer determinada atividade, sem nós. Neste caso, era o país inteiro na praia e eu em casa. E ver estas fotos resultou num sentimento de obrigação. Eu tinha de ir à praia, afinal de contas, estava toda a gente na praia, estava bom tempo, porque é que eu não haveria de ir? Se eu não fosse, era sinal que não estava a aproveitar a vida a 100%. Que é uma frase que as pessoas mais vividas fazem muita questão de dizer. O que pode ser um bocado perigoso, porque ninguém fala do quão desgastante é viver uma vida a 100%, e ninguém nos avisa que às vezes só vamos querer viver a vida a 20% e está tudo bem com isso.
Posto isto, no último dia do fim-de-semana, depois de 2 dias a sentir remorsos por não ter ido à praia, acordei cedo, despachei-me, preparei tudo, e fui ver as beachcams para saber se estava bom tempo na praia. E foi a caminho do site das beachcams que me apercebi que estava, no fundo, a torcer para que estivesse mau tempo. Ora, eu não queria realmente que estivesse mau tempo, eu queria era uma desculpa para não ir à praia. Uma justificação que não dependesse de mim para que eu não me ficasse a sentir mal. Quando me apercebi que não estava a ir para a praia porque queria, mas sim porque toda a gente estava a ir, arrumei as coisas e fui assaltar as casas vazias.
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