Serão Escolhas?
Porque escolhemos tão cedo o que fazer da nossa vida?
A vida começa em nós desde que nascemos, ou melhor, desde que somos concebidos. Discussões sobre esse início real ficam de fora deste texto, dependem da biologia, da crença, da consciência, da vontade e da necessidade. Não opino, não concordo e não me oponho, se é que me explico…
Desde aí, da concepção, do nascimento, do que entendam ser um começo, caminhamos sobre uns carris que andam rápido, sem direito a mudar de carruagem, sem parar em alguma estação ou apeadeiro, sem conseguir demorar num lugar de um qualquer sossego um bocadinho mais do que o tempo real nos permite, ou seja, temos sempre só o segundo corrido, o minuto presente, a hora em que descobrimos que uma vez passada, não mais regressa ao corpo que a viveu.
Nem a mais nenhum corpo, entenda-se, o tempo é o dono de todos nós. Na mesma exacta medida em que todos nós somos donos do nosso tempo. Confuso? Provavelmente… Mas dizia eu que passa. E se há lugares e locais onde poderemos remendar o caminho, há outros que, muito embora nos permitam o retrocesso, têm uma palavra a dizer mais vincada, menos volátil, mais permanente no tempo, muito mais limitativa do que escolher praia num dia, e campo no outro.
Ao nono ano, repito, ao nono ano, com quinze ou dezasseis primaveras de vida, somos convidados a decidir o nosso futuro. Somos convidados, não, somos forçados, a escolher entre as ciências mais exactas, e a abstracção da língua e das ideias.
Quem está de fora ou já esqueceu, pode não conceptualizar a agrura com que por vezes esta escolhe é feita, no meio de pressões externas e internas, que se associam a possibilidades de emprego, vencimentos, gostos pessoais, projecções familiares.
É nesse momento, onde tudo o resto fala mais alto ( porque vocês podem ter esquecido, mas na adolescência o mundo grita), que somos impelidos pelo sistema de ensino a decidir em que lugar do mundo nos queremos vir a sentar. Ou a ficar de pé, em sentinela e em respeito ao que é soberano. Pais e professores acabam por engrenar no que é superiormente orientado, é a força da instituição, e sendo assim, por esta altura, por este País fora, há milhares de jovens que até ao final do ano lectivo têm de fazer uma escolha determinante, quando a capacidade de o fazerem é ainda rudimentar. Deverá ser forte o poder de análise e de escolha, dirão os eruditos sobre a questão.
Não concordo, mas deixo ao vosso encargo reponderem, analisando para dentro e baixinho (lá, onde ninguém nos escuta as fraquezas), quantas vezes se enganaram no trajecto, quantas ocasiões estão remendadas por pedacinhos de tecido de outra cor, quantas tábuas ao certo tem a vossa histórias, a tapar os buracos vazios do que se deixou para trás, por infelicidade do poder de decisão.
Hoje, a orientação vocacional surge nas escolas com alguma incidência. Minora ligeiramente o que atrás escrevo, mas não chega. Gostaria que se abrisse em reflexão a possibilidade de existência de um tronco comum mais prolongado, que permitisse ao jovem adiar esta escolha sem comprometer mudanças no caminho. A competição e o mundo moderno andam sempre com pressa. O maior inimigo da nossa evolução pessoal.
Veja outras crónicas de Carla Raposo Ferreira
Carla Raposo Ferreira, é Psicóloga e escreve às Segundas-feiras no Rio Maior Jornal.