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Estado Atual da (Des)Educação

Estado Atual da (Des)Educação

Setembro está a chegar e o tema da Educação, de repente, é assíduo nos meios de comunicação social. Parece que, inevitavelmente, somos levados a refletir em torno de um conjunto de situações: as colocações no ensino superior, as listas de material escolar, os transportes, as condições frágeis de alguns edifícios escolares, as novas regras relativas aos exames nacionais (porque dizem que são importantes…). Curiosamente, esquecemo-nos de questões maiores, como a qualidade atual do ensino. Marshall McLuhan explicou este fenómeno ao afirmar que «o meio é a mensagem», indicando que as plataformas codificam o conteúdo, direcionando assim as nossas vias de pensamento. Por isso mesmo, compreende-se que a qualidade da Educação raramente seja tópico de reflexão nos meios de comunicação em Portugal, parecendo existir um certo receio de caracterizar a realidade, como se fosse um reino intocável e perigoso! Questões políticas camufladas?

Num artigo publicado na obra Formação Inicial de Professores — flexibilidade e avaliação educativas: da teoria à prática, José Augusto Cardoso Bernardes, professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, destaca que «a Escola é o fundamento maior da cidadania, devendo ser tema de estudo e debate sereno e continuado». Noutros países da União Europeia, existem colunas de jornais, redigidas por docentes, onde são feitas análises sobre o estado da educação. Este tipo de exercício realça o papel do professor como transmissor de conhecimento e promotor de consciência cívica e pensamento crítico — deveriam ser as suas funções! Contudo, nos últimos anos, o Ministério da Educação tem optado por um processo de descredibilização desta profissão.

Na minha perspetiva, a busca incessante pela capacitação digital da classe docente apenas retrata a tentativa de copiar os modelos educativos de países avançados. É urgente diminuir a carga burocrática dos nossos professores, dar-lhes tempo para prepararem as suas aulas e assegurar-lhes formação de qualidade. Devemos apostar numa formação científica para os nossos docentes, nas suas áreas disciplinares, sobre métodos de ensino e novas formas de prática pedagógica; colocar de lado a formação de carácter instrumental e tecnológico, que apenas vem ocupar aquelas horas necessárias, dá acreditação, mas pouco ou nada transforma o ambiente de sala de aula; e aproximar as Academias das escolas, como acontece na Finlândia, onde existem redes de trabalho colaborativo e contínuo, que não se cingem à sua formação inicial. Na verdade, é nas Universidades que se formam os futuros professores — não deveriam estas ser o lugar, por excelência, de aquisição de conhecimentos? O Professor não pode nem deve ser encarado como um Técnico Digital. Não é esse o seu propósito! A Escola tem de ser vista como um terreno de aprendizagem para a Vida e não de Formação Técnica.

Noutra linha de pensamento, o Bicho Papão da Avaliação Externa (exames nacionais e outras provinhas) não pode nortear o trabalho pedagógico. Este ano, pela primeira vez, o Exame Final Nacional de Literatura Portuguesa, de 11.ºano, apresentou um item de escolha múltipla. As absurdas cruzinhas originam resultados enganadores. As perguntas fechadas e, algumas vezes, mal fundamentadas conduzem o aluno a errar. São estas as provas utilizadas como ingresso para o Ensino Superior. Que rigor existe? Que competências estamos a solicitar aos nossos estudantes? De que forma lhes ensinamos? O que estamos a avaliar? Com que qualidade? Não importa em que anos e em que moldes estas provas são aplicadas, mas sim a sua utilidade. No momento, servem apenas para dar a falsa sensação de equidade, exigência e rigor. Olhemos para os temas do grupo de Expressão Escrita dos Exames de Português… Importa lembrar as palavras de António Carlos Cortez, professor e ensaísta, que nos diz que, atualmente, «avalia-se, não se ensina».

Desta forma, introduzo uma urgência do nosso tempo — a presença do livro como fonte de construção de conhecimento e competências. Os nossos jovens, quer pelos pais, quer pelos professores, costumam ser negligenciados por serem pouco interessados pela leitura ou não lerem. No entanto, os momentos de leitura partilhada são cada vez menos, o uso da tecnologia é cada vez maior e começa mais cedo, o livro deixou de ser o convidado especial nas aulas. É crucial avaliar o impacto das nossas atitudes na formação intelectual das gerações futuras. Não queremos que o cenário de declínio da leitura, no mundo académico, como sugere Ponham-nos a ler!, de Michel Desmurget, continue em marcha. Podem ser os futuros e atuais professores, através do amor pelo conhecimento e pela Literatura, os agentes de transformação. Esta é a oportunidade para que manuais escolares passem a ser um recurso educativo e não a Bíblia Sagrada do ensino da Literatura…

Esperemos que o nevoeiro dos nossos dias possa ser substituído pelo Sol, pela Luz, pela Esperança dos campos verdes. Fiquemos com os versos «há sempre alguém que resiste/há sempre alguém que diz não», de Manuel Alegre, como forma de incentivo aos profissionais da educação, que têm sido, ainda que explorados e pouco valorizados, verdadeiros resistentes. Pelo Conhecimento, pela Comunidade Educativa, pela Educação de Qualidade!

PS: Em resposta a algumas notícias dos últimos dias, Sr. Ministro da Educação, há jovens a formar-se para serem professores…Não se esqueça de nós!

Silva Coito, 29.08.2024

N.R. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações da Direção do RMJornal, mas não é por isso que deixam de ser publicados


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António Coito
António Coito é estudante da Licenciatura em Português na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e estagiário na Fundação António Quadros. Além disso, desempenha várias funções, sendo Vice-Presidente da Direção da ATUAAÇÃO, Cidadão-deputado da Comissão de Educação e Ciência do projeto "Os 230" e Membro Suplente da Mesa do Plenário do NEFLUC. É também embaixador da Universidade de Coimbra e bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian. Interessa-se por temas como o Ensino da Literatura, a Formação (inicial e contínua) de Professores e os Hábitos de Leitura na Sociedade Atual. Escreve quinzenalmente para o RM Jornal.

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