Ginecologia e Obstetrícia suspendem-se no Verão?
A Ginecologia e Obstetrícia tem andado nas bocas do mundo.
Pese embora situação do encerramento das urgências em Ginecologia e Obstetrícia em épocas de verão ser recorrente, como pode ver na notícia da TVI de Agosto de 2019 publicada no sítio do Sindicato Independente do Médicos aqui e no Público, em Junho do mesmo Ano, aqui. No intervalo dos incêndios, e da Guerra na Ucrânia, os serviços noticiosos bombardeiam-nos com doses de enfarta-burros sobre o encerramento das urgências, normalmente temperados por uma ou outra notícia de casos fatídicos, como foram o caso da grávida que deu entrada nas Caldas da Rainha, e da grávida que foi direccionada de uma unidade de saúde privada, em estado de morte fetal, (pelo menos é o que aparentavam as notícias que passaram o crivo da espuma) para o hospital de Abrantes onde as urgências estavam encerradas.
O RMJornal pauta-se por informar com rigor e independência. Ao invés de uma linha sensacionalista que parece imperar mesmo na imprensa nacional e dita responsável, apresentamos aqui uma análise de dados relativo à situação da Ginecologia e Obstetrícia em Portugal, da forma mais factual possível.
O que estará por trás do interesse em colocar na agenda mediática estes casos? Que naturalmente são de grande importância, e como tal deviam fazer com que as redacções de órgãos de comunicação social com meios e profissionais incomparavelmente superiores ao RMJORNAL, cumprissem o dever de informar, ao invés de se sujeitarem a jogos de bastidores, venham eles do lado que vierem.
Existem em Portugal cerca de 1850 médicos especialistas em ginecologia/obstetrícia, (dados da OM) em 2020 realizaram-se 83 873 partos, (dados PorData) o que dá, contando com 250 dias de trabalho/ano um parto a quase 4 dias. (0,22 partos/dia).
Dos 83 873 partos 14354 (17%) foram efectuados em estabelecimentos privados de saúde e 83% em hospitais públicos (dados Pordata). Ao mesmo tempo este número representa menos 16 250 partos do que os que ocorreram no ano 2010 e menos 35 125 partos do que no ano 2000.
Ora o que está então na origem desta carência de especialistas, que são hoje bem mais do que 2010 (existiam 1509 no ano 2010) e ainda mais do que em 2000 (existiam 1336 no ano 2000) quando em 2021 existem 1850 especialistas em Ginecologia e Obstetricia?
Obviamente que o problema é multifactorial, mas eram essas causas que deveriam ser escalpelizadas, pelas entidades competentes, Ordem do Médicos e Ministério da Saúde e não é isso que se vê.
Sem soluções simplistas, o RMJornal não tem grandes dúvidas que a solução deve ser procurada dentros dos seguintes vectores:
- Medicalização, cada vez maior e desnecessária do parto (problema das sociedades desenvolvidas, mundial e não somente português)
- Urgências dimensionadas segundo critérios estabelecidos pela Ordem dos Médicos, com eventuais conflito de interesses entre critérios técnicos e científicos e critérios de índole profissional, para não dizer corporativos …
- Problemas causados nas escalas de urgência por:
- Excesso, de oferta, quantos partos são feitos em cada urgência? e destes quantos tem de facto uma intervenção médica? é um dado que deveria vir rapidamente à superfície e que misteriosamente continua nas gavetas com se não fosse uma peça chave para a compreensão do problema…
- Dispensa (legítima) dos médicos com mais de 55 anos de idade, das escalas de urgência, que no entanto podem (e fazem) escalas noutros serviços contratados como tarefeiros…
Por outro lado é importante que se saiba bem com funcionam os blocos de partos no público e no privado? São aplicados os mesmos critérios para um e para outro pelas autoridades de saúde?
Segundo declarações da Ministra da Saúde, Marta Temido, existem atualmente cerca de 38 blocos de partos no SNS,
Ora consultando os dados de 2020 foram cerca de 69 500 (sessenta e nove mil e quinhentos) partos realizados nos hospitais do SNS, contando com 50% dos 1850 especialistas existentes (925) daria:
- 190 nascimentos por dia (no SNS)
- cerca de 75 partos/ano por médico… (69500/925)
- se todas as 38 urgências tivessem o mesmo número de partos seriam 5 por dia (valores médios, obviamente)
- Se cada médico trabalhar 250 dias por ano dará por um parto por médico especialista a cada 3 dias…
Obviamente que os gin/obs não fazem só partos…mas este não deixa de ser um indicador…
A redução de blocos de partos teve início em 1989, por Leonor Beleza, quando se encerraram 150 dos 200 blocos de parto, mas foi a reforma de Correia de Campos em 2006, que porventura estará mais presente na memória dos Portugueses com 40 ou mais anos, nessa altura a justificação do encerramento das maternidades, era baseada no parecer da Comissão Nacional de Saúde Materna e Neonatal (CNSMN) que apontava para a necessidade de encerrar todas as maternidades que tivessem menos de 1500 partos por ano, no entanto houve alguns “constrangimentos” políticos que promoveram algumas alterações de critério político, com bem explica Ana Raquel Matos no Artigo publicado em 2011, “A história dos três macacos sábios”, ou de como sobre os protestos do encerramento de blocos de parto em Portugal o poder político não viu, ouviu ou falou” que pode ler aqui, e que bem caracteriza o problema.
Dos 50 blocos de parto existentes em 2006, 16 reuniam as condições para o encerramento, mas acabaram por ser encerradas, num processo altamente contestado pela sociedade civil apenas 9. conforme o quadro demonstra.
No entanto em 2014, depois da entrada em vigor da do novo regime jurídico a que ficaram sujeitos a abertura, a modificação e o funcionamento das unidades privadas de saúde, o governo de Passos Coelho, fez publicar a portaria 8/2014 de 14 de Janeiro, que esclarece o funcionamento das unidades privadas com valências de obstetrícia e neonatologia, e no seguimento dessa portaria o Conselho de GO da Ordem dos Médicos define (em Dez de 2018) definiu as normas dos requisitos mínimos de especialistas em GO, e onde já não vigora o mínimo de 1500 partos/anuais podendo mesmo funcionar com menos de 1200 partos/anuais e por outro lado, mesmo com muitos autores coincidentes com o artigo que falamos abaixo, as exigências são diferentes das publicadas nesse mesmo artigo.
Num outro artigo publicado em Maio deste ano na Revista da OM, e que pode ler aqui é apresentada a caracterização deste grupo profissional e concluí:
“Em Portugal não há falta de especialistas de Ginecologia-Obstetrícia em número absoluto, mas a existência de um elevado número de especialistas com idade igual ou superior a 55 anos, que tem direito a deixar de prestar atividade nos Serviços de Urgência, e de assimetrias regionais, contribuem para que continuem a existir algumas carências destes profissionais em vários serviços, nomeadamente em hospitais públicos”.
Com tanta radiografia do sistema, urge saber se o problema do fecho das urgências de Blocos de Partos, é um problema de meios humanos, de desorganização, ou de corporativismos, em 2019 antes da Pandemia, o ínicio do mes de Junho foi pejado de noticias, como esta, ou esta, ou ainda esta, já em 2020 e 2021, não foi assunto para a imprensa nacional.
Apenas as gravidezes de risco são seguidas nos hospitais, todas as outras são seguidas nos centros de saúde, ou nas unidades privadas de saúde, somente os partos, igualmente com uma enorme percentagem de datas marcadas antecipadamente, são realizados nos hospitais do SNS ou do Privado….
No fundo em que ficamos porque temos ruído e folclore ao invés de termos notícias?
E o leitor o que pensa disto? use o espaço dos comentários para expressar as suas ideias…
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Olá tudo bem? Espero que sim 🙂
Adorei seu artigo,muito bom mesmo!
Abraços e continue assim.
Muito Obriogado pelo elogio!