Início>Atualidade>Do Sucesso – parte 2
sucesso

Do Sucesso – parte 2

“Post Scriptum: muito obrigada a todos aqueles que não se reconhecem neste texto, porque são esses que tornam o mundo melhor.” (Do Sucesso, 01.02.2023)

O meu último artigo (como sou otimista, espero que alguém tenha lido e ainda se lembre) terminava com este agradecimento, depois de apresentar e questionar alguns dos fatores que são, no meu entender, mais consensuais na atual definição de sucesso – a fama e a riqueza.

Antes de continuar, gostaria de deixar claro que não tenho absolutamente nada contra qualquer deles, e que é a pobreza, e não a riqueza, que mais me angustia no mundo em que vivemos. Mas recentremos o tema e vamos ao que verdadeiramente me interpela.

Há uma altura da vida – na qual me encontro –  em que podemos afirmar, sem risco de errar, que temos mais passado do que futuro. Dito assim, sem eufemismos, esta constatação pode até soar a tristeza, mas não! Primeiro, porque é sinal de que pudemos viver muito do tempo que a outros foi negado; depois, porque tivemos oportunidade de aprender com as alterações que fomos testemunhando ao longo desse tempo, transformando a nossa consciência central em consciência ampliada (designações de António Damásio), como se a linha cronológica da nossa vida fosse engrossando, à medida que nela fossemos acomodando as novas realidades.

É natural, pois, que, numa primeira abordagem, apreciemos a realidade à luz da espessura das nossas vivências e que tenhamos a tendência para fazer comparações com o que acontecia “no meu tempo”, como se este não fosse também o nosso tempo, não tivéssemos sido nós a educar e formar os mais novos e não tivéssemos nós pertencido à geração que construiu esse gigantesco e inescapável labirinto, que dá pelo nome de conflito de gerações.

Na verdade, o artigo anterior diz-nos respeito a todos e não só aos mais jovens. Todos nós, com maior ou menor frequência, embarcamos no estilo de comportamentos descritos, damos por nós a cuscar na vida dos “famosos e bem-sucedidos” e a produzir comentários sobre ela, a sonhar com aquelas férias, aquela aparência, aquela conta bancária, etc. Porém, somos sempre mais lestos a acusar os outros de o fazerem, sem cuidarmos de verificar se temos bons exemplos a dar.

Propus-me hoje escrever sobre os que não se identificaram com o artigo anterior. Porque acredito que são numerosos, têm um propósito para a sua vida e perseguem-no com consistência. Estudam e trabalham com dedicação e afinco, raramente desistem, encaram as dificuldades e fracassos como naturais e até úteis, reconhecem os erros, não se importam de recomeçar quando percebem que o caminho não é aquele, estão atentos ao seu semelhante, dão mais importância à cooperação do que à competição porque sabem que o que é importante e bem feito é sempre obra de uma equipa, não perdem tempo com futilidades e coscuvilhices, não procuram bodes expiatórios para os seus insucessos, têm a capacidade de temperar equilibradamente o seu dia-a-dia com as múltiplas atividades que fazem da vida um tempo de aprendizagem, crescimento e melhoramento.

Não permitem que o consumismo lhes consuma o interesse e a energia, expressam os seus sentimentos sem preconceitos e sem medo de parecerem ridículos, encaram as artes como expoentes insubstituíveis da realização humana, ligam-se à natureza de múltiplas maneiras e sabem que só no respeito pela diversidade poderemos colorir esta tapeçaria única de que todos fazemos parte e para a qual todos devíamos contribuir.

Perguntam-me: quem são e onde estão estas raridades, que não as encontramos? E eu respondo: são jovens e menos jovens, estão diariamente  ao nosso lado, na nossa família, na nossa comunidade, no nosso país, são eles que nos tornam a vida suportável e, por vezes, até feliz, sabem, dizem e fazem pequenas (e grandes) coisas às quais só damos valor quando as perdemos, porque estivemos ocupados a ver e ouvir pessoas que não sabem nem nunca saberão da nossa existência, mas às quais prestamos vassalagem através de likes, emojis e tentativas frustradas de replicação, transformando-nos a nós próprios em poeiras microscópicas no redemoinho da infernal máquina de fazer famosos.

Sim, eles existem, sempre existiram, tornam o mundo melhor, mas são discretos. Estão ocupados a produzir esperança para a humanidade e esse é o seu verdadeiro sucesso. E o nosso.

Emília Barroso
Emília Barroso é Professora e Cidadã de pleno direito, natural do Porto, reside em Alcobaça, e deu aulas a muitos alunos no externato cooperativo da Benedita.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.