Pais, o Sucesso Escolar dos Vossos Filhos Pode Não Ser o que Parece
Nas últimas décadas, temos assistido a um crescimento sustentado dos indicadores de sucesso escolar em Portugal. Mais alunos a concluir o ensino obrigatório, mais diplomas, mais metas cumpridas. À primeira vista, poder-se-ia pensar que a escola portuguesa está no bom caminho. Mas será que os números contam toda a história?
Cada vez mais vozes — vindas da investigação, da docência e da sociedade civil — alertam para um fenómeno inquietante: a aparente melhoria quantitativa não está a ser acompanhada por um verdadeiro progresso qualitativo na aprendizagem. Em termos simples, muitos alunos passam, mas não dominam — em termos gerais — competências essenciais como a leitura crítica, a escrita com clareza e intencionalidade, o raciocínio lógico-matemático, a interpretação de informação complexa e a aplicação articulada de conhecimentos em contextos reais e desafiantes. Transitamos gerações, mas não as preparamos.
É certo que as taxas de entrada no ensino superior são hoje motivo de celebração nacional — nunca tantos jovens tiveram acesso a este nível de ensino. No entanto, convém olhar com atenção para o que se passa depois. Quantos desses estudantes, ano após ano, desistem dos seus cursos? Quantos, mesmo tendo concluído a formação, sentem-se verdadeiramente preparados para entrar no mercado de trabalho, enfrentar os seus desafios e contribuir com pensamento autónomo e competências sólidas? A resposta, quando auscultamos os próprios estudantes e empregadores, raramente é reconfortante.
Segundo dados do PISA 2018, cerca de 22% dos estudantes portugueses não atingem o nível mínimo de leitura funcional. Esta dificuldade não é apenas um problema escolar. É um sinal de fragilidade democrática. Jovens que não dominam a leitura, a interpretação e o pensamento crítico têm mais dificuldade em participar de forma informada na vida pública e em resistir a discursos simplistas, emocionais e polarizadores — cada vez mais frequentes no espaço mediático e político.
Este é, talvez, o ponto mais sensível da questão: estamos a formar cidadãos capazes de discernir, debater, decidir com autonomia? Ou estamos, inadvertidamente, a contribuir para uma cultura que desvaloriza o esforço, o conhecimento e a complexidade em nome de soluções rápidas e confortáveis?
Importa esclarecer que esta reflexão não pretende apontar culpados diretos, muito menos os professores, que continuam a desempenhar um papel central e, frequentemente, solitário na defesa da exigência e da qualidade. Também não se trata de negar os avanços conquistados ou o valor da inclusão. No entanto, é preciso reconhecer que muitas reformas curriculares, centradas na flexibilização e em abordagens pedagógicas inclusivas — frequentemente mal interpretadas — têm contribuído para o esvaziamento da função avaliativa dos professores e para a limitação da sua margem de decisão pedagógica.
Para reverter esta tendência, torna-se crucial restituir aos professores o seu papel como figuras centrais no processo educativo, reforçar a exigência pedagógica e promover, de forma consistente, uma cultura de leitura e pensamento crítico. Só assim será possível construir uma sociedade mais resistente à manipulação discursiva e mais comprometida com os valores democráticos.
É neste contexto que o papel dos encarregados de educação se torna decisivo. A escola pública só se fortalecerá como espaço de formação exigente se a sociedade — e em particular os pais — assumirem uma posição mais vigilante, mais consciente, mais exigente. Não é aceitável que o objetivo da escola se reduza a garantir que todos passem. O que importa verdadeiramente é que todos aprendam — com profundidade, com sentido, com futuro.
Talvez seja tempo de nos perguntarmos, em conjunto, se não estaremos a ser demasiado complacentes com um sistema que, embora bem-intencionado, pode estar a falhar onde mais importa: na preparação de cidadãos capazes de pensar por si mesmos, de distinguir entre informação e manipulação, de reconhecer um discurso fundamentado e de desconfiar de promessas vazias.
Mais do que respostas prontas, este texto pretende abrir espaço à dúvida e ao debate. Porque uma sociedade que se recusa a questionar o que dá por adquirido arrisca-se a perder, silenciosamente, o essencial: a liberdade que nasce do pensamento crítico.
N.R. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações da Direção do RMJornal, mas não é por isso que deixam de ser publicados
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Excelente reflexão! Concordo plenamente com o que é dito. Importa repensar a escola que estamos a praticar e abandonar o facilitismo em que se entrou. A responsabilização dos encarregados de educação é crucial. Porém, carece de medidas capazes de lhes dar tempo para estar efetivamente com os filhos. Enquanto a subsistência requerer dois empregos não vejo que se melhore neste campo.