Por um lado, não é bem o Zé da esquina que tem a obrigação de não ver o Mundial (…) Por outro lado, também não nos custava nada deixar de ver uns joguinhos de futebol
Ora viva leitorzão, estamos bem dispostos? Espero que sim. Estes 15 dias foram intensos. Muita coisa a acontecer no mundo. A fome, a guerra, o regresso do Numeiro ao youtube. Mas tudo isto é suportável por saber que as luzes de Natal em Rio Maior já foram inauguradas. Com direito a fogo de artifício e tudo, que é mesmo para as outras terrinhas verem com quem é que estão a lidar. Embrulha Benedita!
E esta semana falamos do quê? Como a boa prostituta mediática que sou, falamos do assunto do momento, o Mundial de Futebol do Qatar 2022. Se escrevi por extenso o nome completo para atingir o mínimo de palavras na crónica? Talvez. Se sempre que me referir ao Mundial de Futebol do Qatar 2022 vou usar o nome inteiro? Possível.
Tenho visto muita agitação ética em torno deste Mundial de Futebol do Qatar 2022. Não devemos ver o Mundial de Futebol do Qatar 2022? Ou podemos ver sem sentir peso na consciência? Sei que o leitor está habituado a ver-me como uma figura com um compasso moral imaculado e dona de opiniões messiânicas mas desta vez a resposta que tenho é, essencialmente, “sei lá, façam o que quiserem”.
Mas atenção, não é por me abster de estruturar uma opinião que não tenho aqui argumentozitos para dar e bocas para mandar, como tão fielmente já vos habituei.
Neste dilema moral eu prendo-me com duas opiniões paralelas. E é precisamente por causa dessas duas opiniões opostas que eu não consigo formular bem uma opinião. Que, atenção, é uma coisa que só faz é bem. Todos nós devíamos ter menos opiniões sobre menos coisas.
Isto das opiniões lembra-me um podcast que ouvi há uns tempos onde o podcaster perguntava a uma senhora brasileira sobre questões relativas ao Brasil. E o arsenal de opiniões desta senhora, era tão hilariante como preocupante.
A dada altura foi-lhe perguntado se considerava que o Bolsonaro era um perigo para possíveis relações internacionais que o Brasil precisasse de estabelecer com outros países. Ela respondeu com a confiança de uma especialista em relações políticas internacionais.
Não mais que 2 minutos depois, foi-lhe perguntado se não achava que o mandato do Bolsonaro tinha fomentado a desflorestação e sido danoso para o ecossistema da Amazónia. De repente, a senhora já era uma bióloga especialista em desflorestação que defendia vividamente porque é que Bolsonaro era bom para as árvores e para os bichinhos.
A esta altura deve estar o leitor a pensar – “Uau, de certeza que essa senhora é uma estudiosa importantíssima que dedicou a sua vida a estudar essas duas questões em específico.” Ao que eu lhe respondo que não, é uma pessoa que dedicou a sua vida a fazer unhas num salão de estética.
Isto para dizer, acalmemo-nos com as opiniões, se calhar nem todos temos a solução para a guerra na palestina.
Voltando ao assunto das duas opiniões divididas. Por um lado, não é bem o Zé da esquina que tem a obrigação de não ver o Mundial de Futebol do Qatar 2022. Eram as marcas, as instituições, as celebridades e os governos que aprovaram, financiaram, participaram e promoveram o Mundial de Futebol do Qatar 2022 que deviam ser responsabilizados.
Vendem-nos a ideia de que é o consumidor comum que tem de ser responsável e salvar o mundo quando são meia dúzia de engravatados que realmente têm o poder para mudar o planeta em dois dias que o deviam fazer.
Por outro lado, também não nos custava nada deixar de ver uns joguinhos de futebol (aqui falo em “nós” porque também me incluo nesta fatia). Se há coisa que me tira esperança na humanidade é isto. É ver que não somos capazes de abdicar de absolutamente nenhum conforto nas nossas vidinhas em prol de absolutamente nenhuma pessoa ou causa.
Até podia concluir, mas deixo essa parte para vocês.
E é assim que se ofende os dois lados enquanto se defende os dois lados, tudo ao mesmo tempo, tal e qual a baunilha de pessoa que sou.
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