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O Desamor

O Desamor e o Divórcio

Com o dia de S. Valentim na memória o amor ainda está no ar. Cupidos à parte, reflitamos sobre o divórcio, ato geralmente associado ao desamor. Muito embora, como já deixámos antever nestas crónicas, em matéria de efeitos civis do casamento – e, portanto, também de divórcio – os sentimentos sejam facilmente relegados para o fundo da sala. Mas, certo é que à rutura proporcionada pelo divórcio estás nas mais das vezes, imanente um problema de falta de afetos, valorizando-se o sentimento de ambos os cônjuges naquilo que é a sua ligação afetiva porque, na verdade, nem mesmo as juras de amor são eternas.

O divórcio corresponde ao ponto de rutura do casamento e encontra no nosso regime legal duas formas de se expressar – o acordo de ambos os cônjuges ou o litígio.

Assumido está, desde pelo menos 2008, que, tendo havido rutura do laço afetivo, ninguém deve permanecer casado contra a sua vontade, o que não surpreende dada a consensualidade subjacente ao ato de casar. Daí que se tivesse eliminado a culpa como fundamento de divórcio sem o consentimento do outro. Um reconhecimento de que a culpa nunca é só de uma das partes ou simplesmente que um projeto contratual e voluntário de vida em comum deixa de ter sentido quando uma das partes envolvidas o não pretende manter.

É neste pressuposto que qualquer dos elementos do casal que considere que o seu casamento já não reúne condições, seja de afetividade, seja de equilíbrio emocional, ou ainda porque um dos elementos atenta contra a dignidade do outro, pode pôr um ponto final no casamento. Atingiu-se a denominada rutura definitiva do casamento, o momento em que do riso se fez pranto e das bocas unidas se fez espuma.[1]

Esta rutura pode emergir da efetiva separação por um ano consecutivo, da alteração das faculdades mentais do cônjuge, da ausência sem notícias durante, pelo menos, um ano, ou de um conjunto de factos que sejam reveladores da mesma como é o caso da inexistência de uma plena comunhão de vida. Situações em que, num olhar objetivo, se revela que o casamento já está dissolvido de facto, seja porque deixou de haver vida em comum, seja porque até já se constituíram outros núcleos familiares ou relacionais. Nestas circunstâncias ninguém ficará dependente da vontade do outro em pôr termo ao casamento. Porém, se a vontade de cessar o vínculo não partir de ambos os elementos do casal, um deles terá que dar impulso a um processo judicial com vista ao decretamento do divórcio.

O divórcio dissolve o casamento e com ele nascem uma série de outros efeitos jurídicos – a partilha dos bens comuns, a perda de benefícios recebidos em vista do casamento, a reparação de eventuais danos causados pelo cônjuge, a atribuição da casa de morada de família…

Extinto o vínculo matrimonial há, porém, obrigações que podem subsistir e vir a revelar-se anos depois. Entre elas a de prover ao sustento e habitação do ex cônjuge se este necessitar e se o outro puder prover à satisfação de tais necessidades. E, mais relevante ainda, todo o conjunto de obrigações resultantes das responsabilidades parentais, na certeza de que os filhos, esses sim, são mesmo para a vida toda [2] e para todos os dias.

Manuela Fialho


[1] Soneto de Separação, Vinícius de Moraes

[2] A Vida Toda, Carolina Deslandes

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Manuela Fialho
Manuela Fialho nasceu no Cartaxo, residindo desde a infância, em Rio Maior. Empenhada no movimento associativo, designadamente o regional onde integra os órgãos sociais de várias associações e participou na fundação e instalação de outras, vem, desde há alguns anos, colaborando com a imprensa local. É membro do Centro de Investigação Joaquim Veríssimo Serrão, ali integrando o Conselho de Redação das Revistas MÁTRIA XXI e MÁTRIA DIGITAL. Publica em revistas de cariz jurídico. Tem colaborado como conferencista e/ou docente com o Centro de Estudos Judiciários, com a JUTRA –Associação Luso Brasileira de Juristas do Trabalho, com a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e com a da Universidade Nova de Lisboa. É juíza desembargadora.

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