Leão XIII e Leão XIV
Hoje 5a feira, 15 de Maio, a encíclica do Papa Leão XIII, que de repente voltou à ribalta, faz 134 anos, muito pela extrapolação da intenção do cardeal Robert Francis Prevort, em escolher a designação de Leão XIV, na sequência da doutrina que postula que ao escolher o cognome de outro Papa, o Sumo Pontífice indicia uma continuidade das ideias desse papado; justificação aliás apontada para a escolha de Francisco I, Jorge Mário Bergolio.
Impressionante é no entanto, a ciclicidade de determinados acontecimentos, numa altura em que o mundo está como está, com toda a revolução tecnológica, com todos os perigos decorrentes das modificações introduzidas pelas alterações na comunicação social, redes sociais incluídas, e inteligência artificial, a encíclica de há 134 anos, Rerum Novarum, cuja tradução adoptada do Latim “Das Coisas Novas”, parece ser consensual, mas que poderá também numa tradução mais livre, significar “Da Mudança Revolucionária”, se destinava a falar Sobre a Condição dos Operários.
Coisa que já aparece menos nas notícias, que a referem com um eufemismo de ter servido como base da democracia cristã, no entanto Sobre a Condição dos operários é mesmo o título que Leão XIII lhe deu.
A Base da Democracia Cristã
Numa necessária oposição aos conceitos modernos, à época, do materialismo, a Igreja católica, quer manter um papel de referência na sociedade, e evidencia a oposição à forma de libertar os “pobres oprimidos” proposta pelas correntes do “socialismo” baseadas na eliminação da supressão da propriedade privada, justificando a propriedade particular como o resultado da aquisição de uma parte do salário dos trabalhadores…
“a razão intrínseca do trabalho empreendido por quem exerce uma arte lucrativa, o fim imediato visado pelo trabalhador, é conquistar um bem que possuirá como próprio e como pertencendo-lhe; porque, se põe à disposição de outrem as suas forças e a sua indústria, não é, evidentemente, por outro motivo senão para conseguir com que possa prover à sua sustentação e às necessidades da vida, e espera do seu trabalho, não só o direito ao salário, mas ainda um direito estrito e rigoroso para usar dele como entender. ” Leão XIII, encíclica “Rerum Novarum, 15 de Maio de 1891”
Para mim que acordei verdadeiramente para a política em 1974, estavam bem patentes estas ideias, no CDS de Freitas do Amaral, aliás o primeiro partido de Centro, que se afirmava democrata cristão, e que apesar de ser constituído por elites intelectuais, (Freitas do Amaral, Adriano Moreira, e Francisco Lucas Pires, Amaro da Costa, entre outros) encontrava algum apoio nas bases operárias, ao ponto de ser muitas vezes mencionado como um partido aguerrido em que alguns operários fariam o trabalho de dinamização das ditas pinturas de paredes da época.
Interessante é portanto, ver como a democracia cristã e a social democracia (com Sá Carneiro à cabeça) se foram afastando completamente desta doutrina, e se deixaram subjugar aos ideais de um capitalismo autofágico e completamente desprovido do mais pequeno espírito humanista.
A encíclica Rerum Novarum, tem tanto de progressista, quanto de reacionário, mas ao ser entendida no seu próprio contexto sócio-histórico, revela como será difícil ao novo Papa, conciliar as suas raízes Agostinianas, com alguns dos pensamentos expostos por Leão XIII nesta encíclica por exemplo: Quando afirma
” Pela Sua superabundante redenção, Jesus Cristo não suprimiu as aflições que formam quase toda a trama da vida mortal; fez delas estímulos de virtude e fontes de mérito, de sorte que não há homem que possa pretender as recompensas eternas” Leão XIII, encíclica “Rerum Novarum, 15 de Maio de 1891”
ou ainda
Leão XIII, encíclica “Rerum Novarum, 15 de Maio de 1891”
- ” O trabalho muito prolongado e pesado e uma retribuição mesquinha dão, não poucas vezes, aos operários ocasião de greves. E preciso que o Estado ponha cobro a esta desordem grave e frequente, porque estas greves causam dano não só aos patrões e aos mesmos operários, mas também ao comércio e aos interesses comuns; e em razão das violências e tumultos, a que de ordinário dão ocasião, põem muitas vezes em risco a tranquilidade pública. O remédio, portanto, nesta parte, mais eficaz e salutar é prevenir o mal com a autoridade das leis, e impedir a explosão, removendo a tempo as causas de que se prevê que hão–de nascer os conflitos entre os operários e os patrões. “
Para já causa-me espanto que alguns meios de comunicação social, e outros comentadeiros, se escusem a falar sobre esta necessária confrontação de ideias, a começar pelo sigili a que votam o título da encíclica.
O que nos reservarão os nossos “tempos modernos” de hoje com eram em 1891 os tempos modernos da altura que Leão XIII via como
A sede de inovações, que há muito tempo se apoderou das sociedades e as tem numa agitação febril, devia, tarde ou cedo, passar das regiões da política para a esfera vizinha da economia social. Efectivamente, os progressos incessantes da indústria, os novos caminhos em que entraram as artes, a alteração das relações entre os operários e os patrões, a influência da riqueza nas mãos dum pequeno número ao lado da indigência da multidão, a opinião enfim mais avantajada que os operários formam de si mesmos e a sua união mais compacta, tudo isto, sem falar da corrupção dos costumes, deu em resultado final um temível conflito.
A Modernidade dos Clássicos
Não poderia este primeiro parágrafo ter sido escrito, hoje, o mês passado, ou o no próximo mês, substitua o leitor estas afirmações pelos termos contemporâneos, e diga de sua justiça.
Parabéns Doutor António Moreira, pela partilha e pelos assertivos comentários sobre a “Encíclica Rerum Novarum”.
Quer-me parecer, porém, que no contexto do Mundo atual, há poucos homens multimilionários e biliões de pessoas sem sustento e no limiar da pobreza, traduzindo uma enorme e vergonhosa falta de pudor na falta de justiça social.