Início>Atualidade>A comédia é a nova filosofia?
Comedia e Filosofia

A comédia é a nova filosofia?

Que características partilham a comédia e a filosofia?

Se olharmos para a comédia e para a filosofia elas parecem ter relações inversamente proporcionais. Enquanto que a comédia está cada vez mais na moda, a filosofia está pelas ruas da amargura a nível mediático, já não parecem existir filósofos vivos não é? Parece que a filosofia não deu o salto para os anos 2000`s. E se eu lhe dissesse que a filosofia está mais viva do que o leitor pensa? E que a filosofia encontrou na comédia uma maneira de se manter acessível ao cidadão comum. Antes de entrar em qualquer raciocínio, permita-me apenas fazer um enquadramento social tanto da filosofia como da comédia.  

A filosofia é inacessível ao cidadão comum. Está lá muito em cima, nas nuvens dos académicos. Intocável. Inatingível. Inalcançável. Enquanto que a comédia está cá em baixo, com o povo. É fácil de encontrar, fácil de absorver, fácil de entender. A comédia não se leva demasiado a sério. 

Contudo, a comédia é a filosofia. A filosofia dos leigos, do comum, do praticável. A comédia é a forma que a filosofia se viu forçada a tomar para se conseguir manter viva. Já nem lê, já ninguém estuda, já ninguém pensa. As pessoas observam, escutam, consomem e pedem pensamentos emprestados. E a filosofia teve de se metamorfosear em algo que lhe permitisse continuar viva entre as pessoas. Dessa metamorfose nasce uma bela borboleta chamada comédia. 

Bem sei que a minha posição a falar sobre este assunto é tão parcial como a de uma empresa fabricante de preservativos anti-violação é em relação às violações, sem ela ficamos essencialmente desempregados. Mas é uma posição honesta. 

E tendo em conta esta interpretação daquilo que a comédia e a filosofia partilham, parece-me importante falar dos seus praticantes, dos filósofos atuais, os filósofos das massas: os comediantes. Os comediantes obrigam-nos a exercer um pensamento crítico sobre noções e ideias pré-concebidas, nem que seja para decidirmos se vamos ou não achar piada aquilo que eles estão a dizer. 

Chocam-nos. Provocam-nos. Picam-nos. E é isso que é preciso, é isso que se pede a um artista, a um filósofo, a um professor, que ponha quem quer que o esteja a ouvir, a pensar. E eu gosto de pensar que os comediantes, atualmente, são quase como uma cola entre as pessoas. Eles fazem nascer o riso, e o riso é tudo. O riso é a distância mais pequena entre duas pessoas. 

Numa nota mais pessoal, posso com toda a confiança do mundo dizer que, não tivesse eu tropeçado na comédia há uns anos, não seria quem sou hoje e seguramente não estaria aqui a escrever. A comédia ensina-nos tanto, e eu aprendi tanto com ela e com os seus artesãos.

Com o Louis C.K aprendi a olhar para as pequenas coisas de maneira diferente. Com o Robin Williams aprendi a importância de fazer rir e ser bondoso. Com o Dave Chapelle aprendi a importância do pensamento crítico e da empatia. Com o Bo Burnham aprendi a rir na cara da dor. Com o Salvador Martinha aprendi que expor as nossas fragilidades pode ser cool, a única coisa que não é cool é dizer cool. Com os Monty Python aprendi a não ter medo do ridículo e do absurdo. Com o Bill Burr aprendi a encontrar beleza e propósito na nossa raiva interior. Com o George Carlin aprendi a ser disruptivo e que a comédia pode ser um movimento de contracultura. Com o Guilherme Duarte aprendi a ser mais cético e até um bocado cínico no sentido filosófico. Com o Jim Carrey aprendi a ser profundo mesmo no meio da palhaçada. Com o Sacha Baron Cohen aprendi que é no desconforto que se conhece verdadeiramente as pessoas. Com o Norm MacDonald aprendi a ser estranho. Com o Conan O`Brien aprendi a gozar comigo próprio. 

Em jeito de punchline, o mais engraçado de tudo isto, é que, se eu conseguisse personificar a comédia numa única pessoa e lhe mostrasse esta crónica, ela dava-me uma chapada depois de ler isto. Porque ela não se leva assim tanto a sério, e essa, é a característica mais séria da comédia.

Veja outras crónicas de Bruno Rolo.

Bruno Rolo
O meu nome é Bruno Rolo, sou licenciado em Marketing Turístico e a minha principal ocupação é trabalhar como responsável de Marketing e Comunicação. Gosto de comédia e tento sempre incorporá-la na minha escrita, ainda que na maioria das vezes fique pelo tentar.