Cassação da carta de condução
Vigora na ordem jurídica nacional um sistema de registo de infrações estradais do qual devem constar as contraordenações graves e muito graves praticadas e respetivas sanções. Tal registo é essencial ao apuramento da responsabilidade no âmbito do direito estradal e é a partir dele que se determina, em processo próprio, a cassação da carta de condução, uma medida introduzida em 2015 e que, segundo o relatório anual da Autoridade Nacional para a Segurança Rodoviária, tem vindo a sedimentar-se anualmente.
Conforme ali se dá nota desde a entrada em vigor do sistema de carta por pontos até final de novembro de 2021, 1.771 condutores ficaram com o seu título de condução cassado. No ano transato foram 398 os atingidos pela medida.
A cassação é uma medida administrativa de avaliação negativa da conduta estradal dos condutores que tem na sua base a sinalização, em termos de perigosidade, de determinadas condutas, que põem em causa a segurança, a integridade física e a vida das pessoas. É uma medida em cuja base está o risco associado a certos comportamentos, risco esse capaz de por em causa aqueles valores e, muito concretamente, a segurança rodoviária. Um efeito da falta de idoneidade para a condução de veículos automóveis, inidoneidade esta revelada através da perigosidade ou ineptidão que se põe na condução.
A cassação da carta de condução está associada ao sistema de pontos também vigente desde aquele ano 2015. Optou-se, então, por associar à carta de condução, uma certa pontuação – em regra e como ponto de partida, doze pontos. Estes pontos serão subtraídos ao condutor encartado conforme o seu comportamento estradal revelado através de condenação em processo contraordenacional ou criminal. O número de condutores que perderam pontos na carta de condução foi 437,6 mil, até novembro de 2021.
Infrações como a condução sob influência do álcool, utilização ou manuseamento continuado de equipamento ou aparelho suscetível de prejudicar a condução, designadamente auscultadores sonoros e aparelhos radiotelefónicos ou excesso de velocidade determinam a perda de três pontos. Já a prática de contraordenação traduzida na condução sob influência do álcool, condução sob influência de substâncias psicotrópicas ou excesso de velocidade dentro das zonas de coexistência implicam a subtração de cinco pontos. Outras contraordenações graves ou muito graves podem ainda levar à perda de dois ou quatro pontos, respetivamente.
A cassação da carta de condução não se confunde com a pena acessória de proibição de conduzir, podendo conviver com ela. Na verdade, aquela pena, só por si, determina a subtração de seis pontos ao condutor.
Num tribunal nacional apreciou-se o comportamento de Joana, condenada pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, que implicou a pena acessória de proibição de conduzir veículo com motor, vindo a ser, um ano mais tarde, condenada pela prática de novo e idêntico crime, que lhe trouxe nova proibição de conduzir. Em presença destas condenações, viu ser-lhe instaurado um processo com vista à verificação dos requisitos para cassação da carta de condução. Ora, cada uma das condenações ali impostas foi determinante da perda de seis pontos, num total de doze, o que levou à subtração da totalidade dos pontos atribuídos à condutora, que, por isso mesmo, não se livrou da cassação do seu título de condução. Reconheceu-se, então, pela análise do registo de infrações, que a pena acessória de proibição de conduzir se revelara insuficiente para a sensibilizar no sentido de adequar o exercício da condução ao cumprimento das normas vigentes e que a mesma não era incompatível com a medida administrativa de cassação.
A observação das regras de convivência em sociedade não pode efetuar-se como se observação de estrelas se tratasse, ou seja, de longe. A adequação do comportamento à lei, quando recusada, tem consequências.
Manuela Fialho
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