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Carvão & Energia: 16- Descarbonização

Carvão & Energia: 17- As Cinzas Volantes

As Cinzas Volantes

Resíduos ou produtos

O destino das cinzas volantes capturadas nos despoeiradores das centrais térmicas a carvão, tinha uma grande importância pelas quantidades que estavam envolvidas.

Com as grandes centrais que existiam em Portugal, Sines e Pego, a funcionarem para responder às solicitações de abastecimento de eletricidade, o consumo de combustível podia chegar aos 5 milhões de toneladas anuais. Apesar da boa qualidade dos carvões importados, graças à alta eficiência dos despoeiradores, eram retidas cerca de 500 mil toneladas de cinzas volantes, por ano.

A primeira dúvida que se levantava era sobre a classificação destas cinzas: são resíduos, por serem resultado dum processo industrial? São perigosas?

Estas perguntas têm uma resposta fácil. Em vez de laboriosas definições do que é um resíduo, estipulou-se, a nível europeu uma lista completa de todos os resíduos, isto é uma definição nominal em vez de conceptual.

Trata-se da Lista Europeia de Resíduos (LER) que pode ser consultada facilmente pois é adotada por todos os países europeus.

Link para a Lista Europeia de Resíduos

Na lista podemos ver a secção:

10 01 resíduos de centrais elétricas e de outras instalações de combustão

Os resíduos mais importantes das centrais a carvão, as cinzas volantes ou as cinzas de fundo (escórias), não estão assinaladas com asterisco (*), o que significa que não são classificadas como perigosas.

Cumprido este requisito, conjuntamente com outros, como a possibilidade de terem utilização regulada por normativos, levou a que legalmente fosse atribuída a classificação de produto, como qualquer matéria-prima.

Utilização

A primeira solução para lidar com as cinzas duma central é depositá-las em aterros devidamente condicionados.

É uma alternativa à deposição em lagoas e com menos impacto.

Em Portugal existe um caso exemplar que ocorreu na central da Tapada do Outeiro, concelho de Gondomar. A maior parte das cinzas acumuladas durante o funcionamento entre 1959 e 2004 foi depositada em aterro condicionado e devidamente tratado, considerando a redução de declives, a cobertura com terra vegetal, compactação, fixação onde se justificava e reflorestação com espécies autóctones. Atualmente atravessado por uma autoestrada, com acesso a uma travessia do rio Douro, tornou-se um habitat diversificado de vida animal e vegetal. Ver imagem.

Noutros casos as cinzas são usadas no recondicionamento das próprias minas de carvão. Foi a solução adotada no complexo mineiro do Espadanal, em Rio Maior.

Sempre que possível, a reutilização e reciclagem de cinzas volantes, diretamente ou através de um processo de beneficiação, é feita na indústria do cimento e do betão, tirando partido das suas caraterísticas pozolânicas.

As vantagens são enormes:

– Poupança de matérias-primas e de energia de processamento;

– Redução de emissões relacionadas com a poupança energética;

– Menor consumo de água em betonagem, derivado de menores temperaturas na aplicação;

– Grande resistência, principalmente em meios hídricos – construção de pontes e barragens;

– Maior facilidade na aplicação de betão através das bombas.

Ou seja, o seu aproveitamento constituí uma grande vantagem técnica, económica e ambiental, constituindo um caso bem sucedido da designada economia circular.

São vários os exemplos de referência, em Portugal, que vão desde a construção dos molhes do porto de Sines, o edifício sede da Caixa Geral de Depósitos, a autoestrada da Via do Infante, Metro do Porto, Estádios do Campeonato Europeu de 2004, Ponte Vasco da Gama, Ponte da Lezíria, barragem do Alqueva e todas as que foram construídas ao abrigo do Plano Nacional de Grandes Aproveitamentos Hidroelétricos. Ver imagens.

Qualidade

Nos finais dos anos 90 do século passado, com o conjunto de obras públicas atrás referidos, Portugal tinha o maior consumo europeu de cimento per capita: para os 10 milhões de habitantes consumia-se 10 milhões de toneladas. Este valor veio a cair ao longo dos tempos, mas levou a uma procura intensa de cinzas, como aditivo, pelas caraterísticas enunciadas.

Na realidade, esta utilização estava regulamentada através das normas europeias, transcritas para o direito nacional.

É o caso das normas EN 450-1:2012, para o betão e 197-1 para o cimento.

Link para quadro das normas europeias do betão e argamassas

Depois de um retomar da procura com os projetos das grandes barragens, a produção de cinzas começou a ter dificuldades de escoamento.

Nessa altura, tirando partido dos contatos internacionais e da cooperação entre empresas e instituições, uma nova possibilidade acabou por surgir.

Se o mercado nacional podia ser mais facilmente abastecido pela central do Pego, libertavam-se quantidades significativas de cinzas a partir de Sines. 

A situação junto ao porto de águas profundas a partir do qual chegava o carvão, permitia nessa fase exportar cinzas, designadamente para os Estados Unidos da América.

Estamos a falar dos tempos da presidência de Barak Obama em que se encerraram minas e centrais a carvão, nos EUA. A construção civil estava em expansão, sendo conhecida a procura de habitação na Florida para os reformados americanos com posses e que procuravam um clima ameno para passar o resto dos seus dias.

Havia um problema: as normas americanas são diferentes das europeias. Foi um desafio adicional que os competentes técnicos nacionais conseguiram resolver tendo-se passado a exportar cinzas certificadas com as normas da American Society for Testing and Materials, conhecidas pela sigla ASTM International.

As cinzas de carvão deram um contributo adicional para a economia do país, com impacto nas exportações e consequentemente na balança de pagamentos. 

Ver imagem do carregamento de navios no porto de Sines.

N.R. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações da Direção do RMJornal, mas não é por isso que deixam de ser publicados

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Fernando Vieira
Fernando Caldas Vieira, nascido em 1957, casado, de Tomar. Engenheiro eletrotécnico, licenciado e mestre pelo IST. Mestre em política, economia e planeamento da energia, pelo ISEG. Trabalhou no setor de produção de eletricidade, nomeadamente em centrais termoelétricas. Presidiu à ECOBA, Associação Europeia dos Produtos da Combustão do Carvão e ao grupo de trabalho de resíduos da Eureletric. Dedica-se à prestação de serviços de consultoria a empresas no campo da eletricidade, da energia e do ambiente.

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