As Cinzas Volantes
Resíduos ou produtos
O destino das cinzas volantes capturadas nos despoeiradores das centrais térmicas a carvão, tinha uma grande importância pelas quantidades que estavam envolvidas.
Com as grandes centrais que existiam em Portugal, Sines e Pego, a funcionarem para responder às solicitações de abastecimento de eletricidade, o consumo de combustível podia chegar aos 5 milhões de toneladas anuais. Apesar da boa qualidade dos carvões importados, graças à alta eficiência dos despoeiradores, eram retidas cerca de 500 mil toneladas de cinzas volantes, por ano.
A primeira dúvida que se levantava era sobre a classificação destas cinzas: são resíduos, por serem resultado dum processo industrial? São perigosas?
Estas perguntas têm uma resposta fácil. Em vez de laboriosas definições do que é um resíduo, estipulou-se, a nível europeu uma lista completa de todos os resíduos, isto é uma definição nominal em vez de conceptual.
Trata-se da Lista Europeia de Resíduos (LER) que pode ser consultada facilmente pois é adotada por todos os países europeus.
Link para a Lista Europeia de Resíduos
Na lista podemos ver a secção:
10 01 resíduos de centrais elétricas e de outras instalações de combustão
Os resíduos mais importantes das centrais a carvão, as cinzas volantes ou as cinzas de fundo (escórias), não estão assinaladas com asterisco (*), o que significa que não são classificadas como perigosas.
Cumprido este requisito, conjuntamente com outros, como a possibilidade de terem utilização regulada por normativos, levou a que legalmente fosse atribuída a classificação de produto, como qualquer matéria-prima.
Utilização
A primeira solução para lidar com as cinzas duma central é depositá-las em aterros devidamente condicionados.
É uma alternativa à deposição em lagoas e com menos impacto.
Em Portugal existe um caso exemplar que ocorreu na central da Tapada do Outeiro, concelho de Gondomar. A maior parte das cinzas acumuladas durante o funcionamento entre 1959 e 2004 foi depositada em aterro condicionado e devidamente tratado, considerando a redução de declives, a cobertura com terra vegetal, compactação, fixação onde se justificava e reflorestação com espécies autóctones. Atualmente atravessado por uma autoestrada, com acesso a uma travessia do rio Douro, tornou-se um habitat diversificado de vida animal e vegetal. Ver imagem.

Noutros casos as cinzas são usadas no recondicionamento das próprias minas de carvão. Foi a solução adotada no complexo mineiro do Espadanal, em Rio Maior.
Sempre que possível, a reutilização e reciclagem de cinzas volantes, diretamente ou através de um processo de beneficiação, é feita na indústria do cimento e do betão, tirando partido das suas caraterísticas pozolânicas.
As vantagens são enormes:
– Poupança de matérias-primas e de energia de processamento;
– Redução de emissões relacionadas com a poupança energética;
– Menor consumo de água em betonagem, derivado de menores temperaturas na aplicação;
– Grande resistência, principalmente em meios hídricos – construção de pontes e barragens;
– Maior facilidade na aplicação de betão através das bombas.
Ou seja, o seu aproveitamento constituí uma grande vantagem técnica, económica e ambiental, constituindo um caso bem sucedido da designada economia circular.
São vários os exemplos de referência, em Portugal, que vão desde a construção dos molhes do porto de Sines, o edifício sede da Caixa Geral de Depósitos, a autoestrada da Via do Infante, Metro do Porto, Estádios do Campeonato Europeu de 2004, Ponte Vasco da Gama, Ponte da Lezíria, barragem do Alqueva e todas as que foram construídas ao abrigo do Plano Nacional de Grandes Aproveitamentos Hidroelétricos. Ver imagens.

Qualidade
Nos finais dos anos 90 do século passado, com o conjunto de obras públicas atrás referidos, Portugal tinha o maior consumo europeu de cimento per capita: para os 10 milhões de habitantes consumia-se 10 milhões de toneladas. Este valor veio a cair ao longo dos tempos, mas levou a uma procura intensa de cinzas, como aditivo, pelas caraterísticas enunciadas.
Na realidade, esta utilização estava regulamentada através das normas europeias, transcritas para o direito nacional.
É o caso das normas EN 450-1:2012, para o betão e 197-1 para o cimento.
Link para quadro das normas europeias do betão e argamassas
Depois de um retomar da procura com os projetos das grandes barragens, a produção de cinzas começou a ter dificuldades de escoamento.
Nessa altura, tirando partido dos contatos internacionais e da cooperação entre empresas e instituições, uma nova possibilidade acabou por surgir.
Se o mercado nacional podia ser mais facilmente abastecido pela central do Pego, libertavam-se quantidades significativas de cinzas a partir de Sines.
A situação junto ao porto de águas profundas a partir do qual chegava o carvão, permitia nessa fase exportar cinzas, designadamente para os Estados Unidos da América.
Estamos a falar dos tempos da presidência de Barak Obama em que se encerraram minas e centrais a carvão, nos EUA. A construção civil estava em expansão, sendo conhecida a procura de habitação na Florida para os reformados americanos com posses e que procuravam um clima ameno para passar o resto dos seus dias.
Havia um problema: as normas americanas são diferentes das europeias. Foi um desafio adicional que os competentes técnicos nacionais conseguiram resolver tendo-se passado a exportar cinzas certificadas com as normas da American Society for Testing and Materials, conhecidas pela sigla ASTM International.
As cinzas de carvão deram um contributo adicional para a economia do país, com impacto nas exportações e consequentemente na balança de pagamentos.
Ver imagem do carregamento de navios no porto de Sines.

N.R. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações da Direção do RMJornal, mas não é por isso que deixam de ser publicados
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