Central Térmica do Pego. A central impossível
Por: Fernando Caldas Vieira
O enquadramento
Durante os anos 80 do século passado, a necessidade de cobrir consumos com a instalação de uma nova unidade de produção de eletricidade levantou alguns problemas de decisão.
A primeira opção considerada era a de juntar mais dois grupos à central de Sines, que estava concebida para esse efeito. Os fatores contra essa solução eram imensos:
– Uma sobrecarga de injeção de energia no mesmo ponto de rede, com o efeito que teria para a segurança de abastecimento em caso de incidente que desligasse toda a central.
– A difícil gestão dos equipamentos, com o antecedente da central a fuel, do Carregado a mostrar a exigência de operar e manter 6 unidades em simultâneo.
– A carga ambiental muito localizada.
– O impacto social para a região que estava a sofrer um aumento muito rápido da necessidade de alojamentos e infraestruturas – por exemplo, escolas, hospitais, mercados, etc.
Era bom arranjar outro local.
Um sítio improvável.
Descrevi anteriormente como a atribuição do sítio duma central térmica deve considerar alguns critérios. Proponho a análise dos quatro que são os mais determinantes, aplicados à central do Pego, concelho de Abrantes.
- Junto à alimentação de combustível. Aqui, nem mina, nem porto. Optou-se pela criação dum abastecimento ferroviário, a partir de Sines que viabilizou o porto de descarga de carvão que passou a servir as duas centrais. A logística de transporte foi amortizada ao longo do tempo de vida da Central, não impactando os custos de maneira muito severa. A segurança ambiental foi tida em conta com o fecho dos vagões, evitando derrames.
Comboio de transporte do carvão
- Perto dos consumos. Toda a zona industrial do chamado Médio Tejo, estava irremediavelmente perdida. Desde a indústria de papel, cerâmica, contraplacados e outras, em Tomar, até ao complexo da UFA (Alferrarede) e da Metalurgia Duarte Ferreira no Tramagal. Os consumos estavam afastados e o transporte de eletricidade seria penalizador.
No entanto este local fica nas proximidades da linha elétrica a 400 kV que é uma das interligações com Espanha e faz a ligação entre Rio Maior e Cedillo.
As perdas de transporte eram minimizadas com este nível de tensão.
Observação: Rio Maior tem sempre algum protagonismo nestas histórias do setor elétrico.
- Perto de recurso de água para refrigeração. Com o Tejo sempre deficitário em caudal, optou-se pelas torres de refrigeração que permitem, utilizando o ar atmosférico, baixar a temperatura da água em circuito fechado. Esta tecnologia não tinha sido recentemente aplicada no nosso país e, por associação a instalações francesas, havia quem garantisse que ali ia ser instalada uma central nuclear disfarçada.
- A aceitação da população. Depois dos episódios de Ferrel e de Viana do Castelo, houve uma mobilização popular para evitar a construção da central. Prevaleceu a persistência do presidente da Câmara, José Bioucas, que convenceu a maioria dos munícipes da necessidade duma unidade industrial desta envergadura e demoveu os contestatários. Estes num dos momentos altos da luta simularam o enforcamento do presidente numa atitude ameaçadora e intimidatória.
Vale a pena ficar a conhecer esta personagem política pela sua determinação e ao mesmo tempo pela sua boa disposição.
O MIRANTE | O humor e a ironia de José Bioucas
As novidades.
A central do Pego começou a ser construída pela EDP, mobilizando a equipa que tinha estado na construção de Sines. Rapidamente a empresa chegou à conclusão que não tinha meios financeiros para levar o projeto por diante. A solução foi a venda a uma nova empresa, privada, o que contrariava a legislação até aí em vigor – a produção de eletricidade era exclusiva da empresa pública. A única exceção era o caso da cogeração, nas unidades industriais que precisavam ao mesmo tempo de eletricidade e calor.
Esta decisão foi contestada por muitos elementos que entendiam que o dinheiro pago não ia ser suficiente para abdicar de uma instalação tecnologicamente tão evoluída.
Com o quadro regulamentar alterado, o negócio foi montado por um consórcio internacional, a Tejo Energia, cuja composição se foi alterando ao longo dos anos. Foi alavancado através de um “project finance” em que as receitas do empreendimento iam pagando o investimento. Pela primeira vez em Portugal a energia vendida estava contratualizada num PPA ou CAE (Contrato de Aquisição de Energia, em português).
A exploração era assegurada por empresas subsidiárias e dedicadas – a PEGOP, para a operação e manutenção e a CARBOPEGO, para a compra e logística do combustível.
A excelência da nossa engenharia.
Há um outro episódio relacionado com a construção da Central, que confirma a inovação a ela associada.
Os equipamentos eram tão modernos que nem os instaladores os sabiam pôr a funcionar.
Os nossos engenheiros portugueses propuseram resolver a situação por eles. Foram ameaçados com a responsabilidade daí resultante. Aceitaram o desafio. Ganharam. Ganhámos todos, até os instaladores internacionais que ficaram a aprender como se fazia.
Conclusão.
Com o encerramento prematuro da Central do Pego, em 2021, o então ministro Matos Fernandes conseguiu, ao fim destes anos, enforcar o bravo presidente Bioucas.
Em sentido figurado, mas que não o torna menos criminoso pela sua política.
Das centrais que temos vindo a falar, na Tapada eramos pobres e mantivemos a central a funcionar 45 anos. Como o podíamos ter feito nas outras duas. Só que agora somos ricos e podemos mandar literalmente para o lixo, ou para a sucata se preferirem, Sines ao fim de 35 anos e Pego com 28 anos. Com os equipamentos mais modernos, as práticas mais avançadas e a gestão ao nível do que se faz de melhor no mundo.
A única boa notícia é que foi exportado um dos transformadores principais para uma central em construção na Grécia.
O ambiente agradece? Em vez de 0.168% das emissões mundiais de CO2, passamos a poluir 0.150 %.
Quando alguém falar de descarbonização, lembre-se que isto não é reduzir poluição, não é salvar mundo nenhum. É negociata pura e dura.
Depoimento de antigo responsável da Central do Pego
N.R. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações da Direção do RMJornal, mas não é por isso que deixam de ser publicados