A Central Térmica de Sines
Por: Fernando Caldas Vieira
Introdução.
A construção da central termoelétrica de Setúbal, a fuelóleo, que entrou em serviço em 1979, atravessou um choque petrolífero (1973) que afetou também a indústria que se estava a instalar em Sines, pondo em causa o futuro de todo o complexo.
Este facto levou a que a expansão do sistema electroprodutor, feita com centrais a fuel, fosse posta em causa, depois do Carregado, Setúbal e Barreiro. O planeamento da rede elétrica determinou que as próximas centrais seriam a carvão. Dado a falta de reservas nacionais, o combustível seria carvão de importação.
A primeira destas centrais, ia ser instalada inevitavelmente em Sines. A área disponível de cerca de 128 ha, foi ocupada pela plataforma da Central, pelo parque de carvão, por aterros, pela zona da refrigeração e pelo tapete transportador de carvão.
Esta é a primeira curiosidade que quero partilhar sobre esta instalação. O espaço era a sua imagem de marca: nos escritórios, oficinas, sala de máquinas, salas de comando, auxiliares, a sensação que se tinha era que estávamos perante uma grande central.
A melhor?
Sines e Pego eram das melhores centrais a carvão da Europa.
A começar pelo seu rendimento, com a produção de vapor sobreaquecido com 535º C e 167 bar. Tinham um rendimento da caldeira de 87% e da turbina de 45%, o que dá um rendimento global de cerca de 40% (sem contar com alternador e transformador).
Efetivamente na Europa não havia muitas com caraterísticas melhores, até pela exigência e o preço dos materiais para trabalhar com temperaturas e pressões mais elevadas, os denominados ciclos supercríticos.
Mesmo ambientalmente, os sistemas de despoeiramento (reforçado), dessulfuração e desnitrificação, cumpriam todos os requisitos legais, segundo a legislação europeia. Tudo instalado de novo, há poucos anos.
E depois, onde eram francamente dos melhores da Europa, era no pessoal de exploração, operação e manutenção, fossem das empresas proprietárias ou de fornecedores externos. Estamos a falar de conhecimento, capacidade de intervenção com reflexos na disponibilidade, acima de 90% em anos de utilização acima de 8000 horas.
Garanto-vos que na Europa eram mesmo das melhores. Nos anos em que eram mais solicitadas, satisfaziam cerca de 30% do consumo nacional de eletricidade.
Pessoalmente tive a felicidade de poder colaborar na exploração de Sines durante 19 anos.
Rendimento e caraterísticas.
Existiam particularidades da conceção da central de Sines que faziam destacar a sua eficiência. Para além de ser refrigerada em circuito aberto com água do mar, quando a água era devolvida ao oceano passava por 4 turbinas de recuperação que constituíam uma central mini-hídrica de 3,6 MW, que ajudava a alimentar os circuitos auxiliares.
Ninguém esquece o efeito que a água de refrigeração tinha na praia de S. Torpes, onde era restituída ao mar. A costa alentejana, caraterizada por água bastante fria, tinha ali uma zona de influência que tornava os banhos de verão agradáveis, com uma temperatura que chamava os banhistas para esta zona. (veja a notícia da TVI, ou a do jornal Eco, aqui)
Outra caraterística peculiar desta central estava relacionada com o sistema de alimentação de água às caldeiras. Dispunha de uma bomba movida com o próprio vapor evitando o consumo de eletricidade, quando entrava em serviço.
O parque de carvão permitia uma autonomia de funcionamento que podia ir até aos 5 meses, a plena carga, ou seja cerca de 1,5 milhões de toneladas. Tinha a capacidade, pouco usual, de poder fazer mistura de carvões de diferentes origens. O carvão resultante deste “blending” podia otimizar o desempenho do sistema de queima dos geradores de vapor.
As chaminés de 225 metros, asseguravam a dispersão dos fumos, que eram arrastados para o mar, pelos ventos dominantes.
A descrição desta central, feita pelo Eng. Pires Barbosa, pode ser consultada nos arquivos da Fundação EDP: A Central de Sines – dados técnicos
O navio.
Quem esteve na construção desta central, entre 1979 e 1989, foi confrontado com a falta de alojamento na zona. Antes da construção do bairro de Santo André, o concelho de Sines não estava preparado para receber tantos trabalhadores.
Com o fim da guerra colonial, terminou o serviço de transporte de passageiros e tropas, que era assegurado por via marítima. Aqui incluía-se o paquete Infante Dom Henrique, que sem utilização, foi para lá deslocado e convertido em hotel flutuante, função que exerceu até 1986.
Até nestas medidas se vê que o aproveitamento de meios era um fator de racionalidade e de economia.
Conclusão.
E qual foi o impacto relativamente aos custos para o consumidor?
O fim das centrais a carvão reduziu os CIEG (custos de interesse económico geral). É verdade, mas não decorreu desta decisão. Foi sim o resultado do fim dos contratos de venda, dos CAE. Isto é, numa fase em que se ia deixar de pagar uma parcela significativa do custo da eletricidade, continuando os equipamentos disponíveis, mandou-se tudo para a sucata e compram-se novos – os das renováveis.
Desperdício criminoso num país que não devia ter dinheiro para esta negociatas.
Desde esta altura que o país ficou dependente da importação de eletricidade, o que demonstra que a nossa estrutura de custos não é competitiva, em longos períodos. Pode ver aqui
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