Por: Fernando Caldas Vieira
A organização.
Produção, transporte e distribuição. Era assim que se olhava para a organização do sistema elétrico.
A produção de eletricidade evoluiu ao longo dos tempos, de uma versão descentralizada, à instalação de grandes centrais hídricas e térmicas, até à atualidade, em que novas formas de energia renovável surgem com centrais eólicas, solares, biomassa e outros combustíveis.
O transporte e a distribuição constituíam a forma de levar a energia aos consumidores.
Quando se falava de os clientes escolherem o seu fornecedor, os incrédulos acreditavam que a rede era um monopólio natural. Era impossível haver fios de uma companhia desde a produção até um consumidor e o vizinho do lado ter outro fornecedor com fios de outra companhia.
Esta aparente impossibilidade física foi facilmente ultrapassada com a introdução de um novo agente: o comercializador. As redes eram o suporte físico, mas os negócios da produção e da venda ao consumidor final, podiam estar perfeitamente entregues a empresas que pagavam a utilização dessas infraestruturas.
Os setores.
Ainda hoje é possível ver-se vestígios de antigas empresas regionais que cobriam a cadeia de fornecimento, da produção, à distribuição. Era o caso da Companhia Elétrica das Beiras (CEB), ou da Hidroelétrica do Alto Alentejo (HEAA)
Em 1976 com um processo de nacionalização teve lugar a criação da EDP (Eletricidade de Portugal, posteriormente Energias de Portugal), fazendo uma integração de toda a cadeia de valor. Empresa única, estatal, com monopólio de todos os setores da eletricidade, inspirado no modelo francês da EDF.
Anos mais tarde existiu o movimento inverso, da privatização e liberalização. Eram as novas tendências da europa, mas também uma forma de se obterem as verbas necessárias à expansão e renovação do sistema.
No caso da produção, mais uma vez, o carvão destaca-se com a Central do Pego, a primeira central a ser explorada por privados, depois da constituição da EDP.
O funcionamento.
E como se pode otimizar todo o sistema? Que papel desempenha cada componente na satisfação das necessidades de eletricidade do consumidor?
Até 2007, a entidade Despacho Nacional (Repartidor de Cargas) que funcionava no âmbito da REN, definia o contributo de cada Central para a satisfação dos consumos. Começava-se pela mais barata até às mais caras. As eólicas funcionavam sempre com um preço previamente estabelecido, as chamadas “feed-in tariffs”.
Ou seja, os critérios técnicos de escolha da produção garantiam a segurança e o preço otimizado.
Os produtores eram pagos através de contratos pré-estabelecidos que cobriam custos fixos e variáveis e incluíam as respetivas margens. Eram os designados contratos de aquisição de energia, CAE.
Em 2007, entrou em funcionamento o Mercado Ibérico da Energia, MIBEL.
O pagamento aos produtores é feito por um sistema de leilão, onde atualmente se incluem também as energias renováveis. A cada hora existe uma oferta de fornecimento que resulta do ordenamento das quantidades produzidas com o preço crescente e uma oferta de compra ordenando a energia procurada pelos comercializadores, a preço decrescente.
Quando ambas as curvas se cruzam, diz-se que a oferta e a procura se casaram. Fica estabelecido o preço para esse período horário.
Além deste mecanismo existem outros tipos de contratação, ou entre empresas (contratos bilaterais) ou noutros mercados, como o OMIP, que é o mercado de longo prazo.
Eventuais desequilíbrios entre oferta e procura são dirimidos pelo Despacho que agora assume unicamente funções técnicas e de garantia de abastecimento.
Claro que para além dos preços do MIBEL, o cliente final paga o custo da utilização das redes e as margens dos comercializadores, que atuam em concorrência.
O mercado tem sido benéfico para o consumidor? Nem por isso. O preço final, nos tempos mais recentes tem sido definido pelo preço da produção a gás natural, que pelas razões de escassez derivadas da guerra da Ucrânia, tem sido bastante elevado.
Apesar da limitação deste preço (o que constitui uma distorção ao mercado), vê-se como a dependência duma única fonte de combustível se tornou um risco e um fator de encarecimento. Apesar do esforço para se provar o contrário, que falta faz o carvão!
Conclusão.
O carvão e as centrais térmicas desempenham um papel fundamental na estabilidade e segurança do sistema. A tentativa de abolir a sua participação põe em causa a própria independência do país. Nunca se importou tanta eletricidade como a partir da altura em que se fecharam as centrais a carvão. Argumenta-se que é por motivos económicos e não de escassez. E se Espanha deixar de vender?
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