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Camões em 2025: motivos e reflexos

Camões em 2025: motivos e reflexos

Existem títulos que assustam os leitores. Este é um deles! No fundo, há uma certa dificuldade em dar atenção a textos mais longos, que não sejam chocantes, imediatos, ofensivos ou facilmente mediatizados. Se falasse de imigração, forças de segurança, habitação, alterações climáticas, entre outros temas com os quais somos bombardeados diariamente, certamente teria mais apoiantes. Na verdade, quando se fala de Cultura, pouco ou nada há a dizer, porque vivemos numa sociedade onde nos importamos cada vez menos com o ato de pensar, até porque grande parte do tempo é vivido em contexto “onlife”, em que a palavra está ao serviço do ódio, da manipulação e da desinformação. Nunca desperdicemos o bem mais precioso que temos à nossa disposição — o pensamento crítico. Caro leitor, se chegou até aqui, faça favor de embarcar nesta pequena viagem! 

O mês de janeiro de 2025 trouxe várias iniciativas que continuam a fazer acontecer no âmbito das comemorações do V Centenário do Nascimento de Luís de Camões. Há dias, em conversa com jovens ligeiramente mais novos, falávamos dos motivos que estão na base destas iniciativas. Valerá a pena celebrar alguém 500 anos após o seu nascimento? Por que motivos e para quê? As respostas são variadas, mas importa parar para refletir. 

Acima de tudo, não falamos de alguém ausente, desconhecido ou pouco desenvolvido. Falamos de Luís Vaz de Camões, “um génio universal”, que cantou “aqueles que por obras valerosas/ Se vão da lei da morte libertando”. Nestes versos da epopeia, estaria Camões a antecipar a eternidade da sua expressão? Acredito que sim, porque estava consciente do impacto da obra que estava a construir — através da sua escrita, a possibilidade de inscrever a História na Memória. No fundo, a epopeia Os Lusíadas veio preencher um vazio que existia. Muitos já tinham tentado, mas foi Camões que cumpriu este desejo constante no discurso cultural português, surgido nos finais do século XV, de escrever uma epopeia em português, como forma de notabilização do idioma, aproximando-o das línguas clássicas, bem como de enaltecimento e legitimação da comunidade política. Ainda assim, Camões não deve ser reconhecido apenas por esta marca, uma vez que o seu legado passa também pela lírica e pelo teatro. Se a epopeia lhe deu um lugar de destaque, é certo que a restante produção literária, publicada postumamente, vem reforçar a sua posição na cultura portuguesa. 

Hoje, Camões comunica connosco. Não só pela Literatura chegamos à sua obra. Com o tempo, a Pintura, a Escultura, o Teatro, o Cinema, a Música, o Ensino e tantas outras formas de expressão artística imortalizaram este génio. O Ensino como Arte? Está visto que sim! Levar Camões a cada estudante tem o seu “engenho e arte”, não existindo receita que vença o Conhecimento, o Interesse, o Afeto e a Confiança nas palavras do Poeta. Quantas gerações não ficaram traumatizadas com a típica divisão em orações dos versos d’Os Lusíadas? A Qualidade desta escrita jamais podia ficar limitada a um exercício tão destrutivo! Que estas comemorações sejam propícias a um momento reflexivo muito importante: de que modo estamos a preparar e formar os futuros e atuais professores para ensinar Camões? É possível, desde há muito, ser professor de Português sem contactar com este escritor no Ensino Superior, por se tratar de um autor estudado em unidades curriculares de natureza opcional, prevalecendo as abordagens repetitivas e normativas do ensino secundário. Mais uma vez, é necessário repensar as prioridades de um sistema educativo que se diz de qualidade, mas que nem equaciona o lugar deste autor na formação inicial e contínua de professores… Em todo o caso, sem sombra para dúvidas, existem reflexos indissociáveis da presença camoniana na nossa Identidade.

Para terminar, sendo o Rio Maior Jornal um espaço de agradável oportunidade de expor e refletir sobre o nacional, mas especialmente sobre o local, gostaria de expressar a minha felicidade, enquanto jovem riomaiorense e estudante de literatura, pelas várias iniciativas camonianas concretizadas nas escolas do concelho. É fundamental aproximar os mais novos de uma comemoração tão singular, na qual é celebrada a palavra eternizada por um dos maiores da nossa História Literária e Cultural. Numa análise mais universal, as águas do rio da Vida “correm turvas”, num mundo “que parece que dele Deus se esquece”. Teremos, séculos depois, resposta para este enigma? Não sei! E o leitor, o que pensa? Uma coisa é certa: no tempo de Camões, já o mundo andava às avessas e em sentido irreversível!

N.R. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações da Direção do RMJornal, mas não é por isso que deixam de ser publicados

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António Coito
António Coito é estudante da Licenciatura em Português na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e estagiário na Fundação António Quadros. Além disso, desempenha várias funções, sendo Vice-Presidente da Direção da ATUAAÇÃO, Cidadão-deputado da Comissão de Educação e Ciência do projeto "Os 230" e Membro Suplente da Mesa do Plenário do NEFLUC. É também embaixador da Universidade de Coimbra e bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian. Interessa-se por temas como o Ensino da Literatura, a Formação (inicial e contínua) de Professores e os Hábitos de Leitura na Sociedade Atual. Escreve quinzenalmente para o RM Jornal.

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