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Banalização da progressão Escolar

A banalização da progressão escolar: uma reflexão crítica sobre mérito, esforço e aprendizagem

Verifica-se, entre os alunos do ensino básico uma perceção cada vez mais disseminada: a de que a transição de ano letivo está praticamente assegurada, independentemente do desempenho ao longo do ano. Esta convicção, longe de ser inócua, coloca em causa o valor atribuído ao esforço individual, à responsabilidade e ao próprio processo de construção do conhecimento.

No quadro atual das políticas educativas, que procuram de forma legítima combater o insucesso escolar, reduzir a retenção e promover a equidade, parece ter emergido um efeito colateral indesejado: a desvalorização da progressão escolar enquanto resultado de mérito e superação. O que deveria constituir uma conquista sustentada na consolidação de aprendizagens essenciais converteu-se, para muitos estudantes, numa expectativa automática.

Ao longo dos anos, alunos constatam que, mesmo com desempenhos escolares manifestamente insuficientes, é frequente a decisão de transição por parte dos conselhos de turma. Tais decisões, embora motivadas por razões compreensíveis — como evitar a estigmatização ou o abandono escolar —, transmitem, de forma implícita, uma mensagem pedagógica preocupante: o esforço pode ser prescindível.

As implicações desta perceção são visíveis no quotidiano escolar. A antecipação de uma progressão inevitável contribui para a diminuição do investimento pessoal na aprendizagem. Para muitos estudantes, o objetivo deixa de ser aprender e passa a ser, apenas, o de não reprovar. Esta lógica gera uma cultura de mínimo esforço, onde a motivação intrínseca é substituída por uma visão utilitarista da escolaridade.

Neste contexto, os professores sentem-se frequentemente divididos entre a defesa do rigor pedagógico e as orientações institucionais que desencorajam a retenção. Os pais, por seu turno, oscilam entre o desejo de proteger os filhos e a consciência de que, sem exigência, não há verdadeiro desenvolvimento. E os alunos, por vezes, tornam-se reféns de um sistema que não valoriza de forma consequente o sentido pleno da aprendizagem.

Importa, no entanto, sublinhar que a retenção, por si só, raramente resolve os problemas de base. Em muitos casos, a retenção acentua o desinteresse e contribui para o afastamento progressivo da escola. Todavia, permitir a transição de ano sem que o aluno tenha adquirido as aprendizagens essenciais é igualmente ineficaz. Nenhuma destas estratégias, de forma isolada, promove o sucesso educativo. Ambas exigem um acompanhamento pedagógico sistemático e intencional.

Neste sentido, o sistema educativo deve apostar em estratégias diferenciadas, planos de intervenção pedagógica individualizados e em práticas avaliativas formativas e contínuas, que permitam diagnosticar dificuldades e ajustar percursos em tempo útil. Tomar decisões significativas apenas no final do ano letivo representa uma intervenção tardia, com impacto limitado.

A progressão escolar deve continuar a ser um objetivo, mas nunca um automatismo. A escola perde a sua função formativa quando deixa de haver consequências claras associadas ao incumprimento dos objetivos de aprendizagem. Avaliar com justiça não significa facilitar. O aluno deve compreender que o seu empenho tem valor — para si próprio, para a comunidade educativa e para o seu futuro.

É possível — e necessário — promover a inclusão sem abdicar da exigência. É possível apoiar sem incorrer na permissividade. O que não é admissível é que a escola se transforme num ritual de passagem desprovido de significado, onde se avança por inércia e não por mérito.

Se desejamos formar cidadãos críticos, autónomos e preparados para os desafios do século XXI, é urgente resgatar o valor do esforço, do compromisso e da aprendizagem significativa.

A resposta a este desafio não reside numa norma universal nem numa solução simplista. Começa com o compromisso coletivo — de educadores, famílias e comunidade — em repensar o papel da escola como espaço de desenvolvimento humano integral. Um espaço onde a progressão se fundamenta no crescimento, na compreensão e na construção ativa do saber.

A verdadeira questão não se esgota na dicotomia entre reprovar ou fazer transitar. A prioridade deve ser investir precocemente em medidas estruturadas de apoio, antes que os alunos se encontrem em situações-limite. Decidir sobre a retenção ou transição de um aluno não pode ser um ato isolado ou aleatório: exige análise, diálogo e responsabilidade partilhada.

Mais do que opor defensores e críticos da retenção, o debate deve centrar-se numa questão fundamental: estamos, de facto, a garantir que os nossos alunos estão a aprender? E mais: estamos a criar condições para que cada um possa progredir com sentido, com autonomia e com base em conhecimentos sólidos?”

N.R. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações da Direção do RMJornal, mas não é por isso que deixam de ser publicados

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Benedito Roldão
Benedito Roldão é o pseudónimo de cidadão riomaiorense, que por razões de liberdade de expressão, escreve sobre pseudónimo. O RMJornal, respeita em pleno o pedido dos seus colaboradores na preservação da sua identidade.

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