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Aeroporto de Santarém

O facto de Santarém ser melhor do que Beja

Desde que um grupo de investidores anunciou que tinha a intenção (ou pelo menos a ideia) de construir um aeroporto nas imediações da cidade de Santarém, que o Ribatejo todo entrou em alvoroço. De deslumbramento, entenda-se. Mas a solução em si tem mais desvantagens do que vantagens e nada mais é do que um palpite oco face ao problema geral: a concentração de tudo o que existe na capital do império.


A ideia de aproveitar o aeroporto de Beja para complementar ou substituir a Portela não é nova. À primeira vista parece uma excelente oportunidade, na medida em que o aeroporto já lá está. Só falta tudo o resto: um edifício que acomode os passageiros e uma forma rápida de os trazer para Lisboa. A primeira tem de se fazer em qualquer sítio, não obstante ser talvez o mais caro. A segunda é que estraga toda a equação.

Poderíamos fazer uma linha de alta velocidade que trouxesse as pessoas até Lisboa num instante. É verdade. Também poderíamos fazer uma linha de alta velocidade flutuante entre São Miguel e Lisboa. O prejuízo que tal obra daria é que levaria Portugal a mais uma bancarrota, mas isso pouco importa. Isto tudo para dizer que não é minimente viável o aeroporto lá porque o preço de construir, manter e operar tal infra-estrutura seria deficitário (portanto, o preço dos bilhetes seria astronomicamente alto). A todos aqueles que quisessem vir visitar Lisboa ou arredores, haveria não só que pagar o preço do bilhete de avião como o transporte para a AM Lisboa (destino de mais de 80% dos passageiros). De uma forma ou de outra, Lisboa como destino turístico sairia prejudicada pois é sempre menos atractivo viajar para uma cidade mais longe do aeroporto do que as suas congéneres.

Mas bem, muitos dizem que seria bom para a descentralização e fomentação do desenvolvimento regional, e que valeria a pena gastar esse dinheiro e assegurar a subsidiação desses bilhetes. Por outro lado, é importante dizê-lo, não há linha de alta velocidade nenhuma que consiga competir com um aeroporto dentro da cidade que em 20 minutos nos coloca no Saldanha por apenas 1,45€. A questão relativamente ao subsídio que se daria à empresa para operar os comboios prende-se com o custo de oportunidade. Com o mesmo dinheiro talvez fosse possível melhorar a rede de comboios para todo o lado, por exemplo. Ou investir no interior, o que é quase a mesma coisa.

A isto não se venha dizer que há cidades europeias com aeroportos a 100 km do centro da cidade. Ou melhor, haver até há, a questão é que as cidades em causa têm população muito mais perto do aeroporto (o que não é o caso de Beja e, diga-se, Santarém) e são metrópoles com 10 milhões de pessoas, ao passo que Lisboa se basta com 2,7 milhões. Não é difícil ver as diferenças.

Apesar disto, Santarém está muito mais perto de Lisboa do que Beja, dirão muitos, o que é um facto. E já é bom que consigam distinguir que o factor tempo/distância é um importante. Mas também é um facto que o aeroporto é tanto menos atractivo quanto mais longe estiver do destino final das pessoas. Todos os problemas que a “solução” Beja tem, tem-no também a solução Santarém, somente em menor magnitude. A este ponto, vem o argumento, que eu acho fabuloso, do Alfa Pendular que liga Santarém a Lisboa em 29 minutos. Um país que nunca quis saber de comboios agora vê nele a salvação para um elefante branco (não deixa de ser irónico).

Aqui está um ribatejano, fã de comboios, a dizer-vos que o comboio não é solução para o problema. Por motivos muito simples: a actual linha que liga Lisboa a Santarém está completamente cheia, a rebentar pelas costuras. Por isso é imperioso fazer uma nova linha de alta velocidade entre Lisboa e Porto (e cuja rentabilidade, ao contrário do que algumas mentes pouco iluminadas do maior partido da oposição querem fazer crer, é mais do que certa). Isto libertará espaço para mais tráfego. Só que mesmo essa libertação de espaço não é suficiente para acomodar o tráfego que um aeroporto teria.

Tal obrigaria a construir uma linha inteiramente nova entre o novo aeroporto e a capital – negá-lo é simplesmente negar a realidade, coisa que os promotores do dito negócio parecem crer fazer. Imaginemos que os bilhetes se vendiam a 25€ para Lisboa, e que permitiriam pagar a operação e o investimento (isto é, assumindo que se construía uma nova linha) que não seria barata (mais de mil milhões de euros de certeza).

Agora, se considerarmos que a viagem de comboio para Alcochete e o Montijo fica a sensivelmente metade do caminho de Santarém (40 km vs +80km), o bilhete de comboio seria a 12,5€. Qual seria a opção que atrairia mais turistas e passageiros, no geral? Não é difícil de perceber que o aeroporto de Santarém está em clara desvantagem. Daí o Ministro ter dito, talvez não no momento certo: “Acho longe”. Que, digamos, não será escândalo de sobre monta. Escolher uma opção em detrimento de outra é abdicar de turistas e, consequentemente, de mais receita.

Por outro lado, argumenta-se, e muito bem, que Portugal é um estado extremamente concentrado e centralizado em Lisboa, e que a construção do aeroporto em Santarém seria uma forma de colmatar essas assimetrias. Se esse é o único argumento a favor de Santarém, porque é que Santarém é melhor do que Beja?

De uma forma ou de outra, está aqui outro grande erro. É que as infra-estruturas só se justificam construir estando presentes certas características e pressupostos, não se devem construir por motivos políticos. Quando Portugal for uma Noruega sem problemas financeiros, admito que esta regra possa ser flexibilizada, mas até lá temos que ser rigorosos com a utilização de dinheiros públicos. Há milhentas outras coisas que Portugal pode fazer para preservar e criar cidades médias – ou seja, criar cidades do tamanho de Coimbra ou de Braga, que garantam coesão territorial – sem passar pelo aumento de ineficiências na economia como o que se está a propor.

Imaginemos que amanhã a sede da Segurança Social, na qual trabalham 1000 pessoas, seria transferida para Santarém. O estado provavelmente poupava no imobiliário, com um edifício mais barato de comprar e manter em Santarém do que em Lisboa. Com essa poupança até conseguiria pagar um pouco mais aos funcionários. Para a esmagadora maioria dos cidadãos será irrelevante o sítio onde as decisões são tomadas: temos internet, temos correio, a Segurança Social tem delegações em todo o sítio. Para Santarém, isto representaria um aumento de população de mais de 2 mil pessoas (partido do pressuposto que as pessoas trariam as famílias).

A Joana, que nasceu e cresceu na Moçarria e estudou Recursos Humanos no ISLA pode ter emprego na sua área de residência, não precisa de ir viver para Lisboa. A Maria, que cresceu em Pernes e estudou Assistente Social em Leiria, pode voltar para a terra natal e ter emprego garantido. Entretanto, a empresa de computadores de informática da cidade ganhou um concurso para fornecer e fazer manutenção aos equipamentos informáticos da SS – afinal, conseguiu fazê-lo porque as empresas em Lisboa têm de pagar a deslocação para Santarém, e ela está mesmo ali ao lado. O Senhor José, que vende os melhores ares condicionados do mercado e com a empresa em Rio Maior, pode agora expandir o negócio porque tem um cliente industrial que precisa de ter os gabinetes sempre fresquinhos face ao rigor do calor scalabitano.

Os trabalhadores qualificados têm outras vantagens nas pequenas/médias cidades. Compram mais o jornal local (ajudando a assegurar a sua sobrevivência), têm (por norma) mais dinheiro para gastar. Vão mais vezes ao teatro (diminuindo, por conseguinte, a necessidade de subsídios municipais para a cultura). Têm mais espírito crítico (ou pelo menos assim deveria ser), permitindo uma melhor gestão da res publica local. Enfim, só vantagens, pelo menos para o país real. Até para Lisboa, que tem falta de casas, seria esta hipótese um grande alívio.

Mas todos nós sabemos que as parreiras da Avenida da Liberdade não podem viver sem vista para os burocratas do Instituto da Vinha e do Vinho. Só assim se produz o melhor vinho português, que deixa qualquer um ébrio pelos subsídios estatais.

N.R. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações da Direção do RMJornal, mas não é por isso que deixam de ser publicados

Tiago Morgado Jorge
Jurista em formação Aficcionado por comboios, história e política

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