Serendipidade é a intuição pura de quem observa determinados detalhes ao acaso e depois conclui e resolve problemas, como Arquimedes e Fleming tão bem fizeram com as suas descobertas, e é de facto uma capacidade digna de admirão.
A palavra escolhida tem a ver com o nome que os árabes atribuíam ao “nosso” Ceilão pois a encantadora história que lhe deu origem é passada nessa ilha (Serendip). Há alguns anos, Nuno Crato escreveu no Expresso uma crónica sobre o tema e lembro-me do interesse que o artigo suscitou; o vocábulo era pouco conhecido e o conceito revelava o que há de mais brilhante na inteligência humana, embora a sua prática seja relativamente comum na história do conhecimento. Serendipidade é a intuição pura de quem observa determinados detalhes ao acaso e depois conclui e resolve problemas, como Arquimedes e Fleming tão bem fizeram com as suas descobertas, e é de facto uma capacidade digna de admiração. Hoje em dia a investigação científica é realizada sobretudo em universidades, por equipas especializadas que trabalham os dados informaticamente, segundo métodos rigorosos, e haverá mesmo pesquisas realizadas unicamente por processadores poderosos, com pouca ou nenhuma intervenção dos académicos; mas a destreza mental, a performance cognitiva, a tal serendipidade, sendo exclusiva dos homens deve ser educada, treinada, sei lá, praticada, quanto mais não seja para dar uso às palavras bonitas.
Contribuiu como poucos para o nascimento de uma nação. Fez da sua vida uma aventura; começou aos doze anos, quando emigrou para o Brasil, com autorização do pai. Convém referir que estamos na primeira metade do século XIX, quando as viagens entre continentes duravam meses. Dali partiu para Angola, regressou ao Brasil, mas logo, logo decidiu-se pelo planalto angolano. Silva Porto, assim se chamava o nosso herói, tinha uma particularidade que o diferenciava da maioria dos exploradores europeus que demandava África naquele tempo; grande parte deles tinha orientações muito precisas dos governos coloniais quanto ao levantamento do interior e era constituído, naturalmente, por sábios, onde se incluíam muitos militares. Embora fosse pouco escolarizado, um analfabeto comparado com as sumidades que se cruzaram com ele, Silva Porto destacou-se precisamente pela forma complementar e harmoniosa como se relacionou com o conhecimento científico. A Sociedade de Geografia de Lisboa reconheceu-lhe mérito, preserva-lhe ainda os seus diários, tortuosos, como lhes chamou carinhosamente Luciano Cordeiro, e atribuiu-lhe uma pensão vitalícia de sobrevivência. Silva Porto foi um homem comum, de tal maneira que o “notável” Livingstone, depois de seguir as instruções do comerciante português para atingir a nascente do Zambeze, referiu-se a ele com desdém social.
E quando essa Gente Vulgar repara, fortuitamente ou não, em determinados pormenores do seu dia a dia, e resolve problemas, mais humanos se tornam e mais distante das máquinas ficam.