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A Quem Pertence a Educação

A quem pertencerei eu?

A educação certa ou errada entra hoje em dia pelas nossas casas pelas mãos de génios com pseudossabedorias.

Assusta a uniformização do que é o cansaço e a grandeza da maternidade e da paternidade, que parece deixar de ser vivida em todo o seu esplendor, para passar a ser norteada por sumidades inconsequentes, que tentam a todo o custo substituir o que é o verdadeiro crescer.

Falo por ora numa dificuldade específica, dissertada à exaustão. Há uma criança, dois progenitores, duas casas, uma família ou outras novas que surgem no caminho de quem escolhe recomeçar.

Tão legítimo, tão natural como a sua sede. A criança, pequena, de dois, três, sete, dez anos, divide-se por ora em duas, aprende a comer de duas formas, a dormir de duas maneiras, a estudar em dois locais, a fazer ninho e porto seguro, em mais camas do que as que conheceu até então.

Consegue, ela consegue, ela é multifacetada, resiliente, adaptativa, exterioriza como nenhum adulto consegue fazer, os males que a atormentam, e segue em frente, na linha da vida, colocando a cada dia um novo ponto, mais um balanço, mais uma pedra no castelo de Pessoa.

Depois, por vezes, há desentendimentos. Zangam-se os alicerces, dá ideia que a casa da vida pode ruir a qualquer momento. – Vamos colocar cola, pensa para ela, nem que seja cola- cuspo, e por certo aguentaremos mais um bocadinho, boa? Boa! E mais uma vez consegue, ela consegue.

Esquece na história da noite a realidade do dia, embala no boneco que canta sons de encantar e adormece encostada ao colo do momento, deixando o outro lá no local onde agora mora, muito mais longe do que o limite da saudade. Mas não o poderemos tirar de lá… Só que por vezes, a zanga vai mais longe. Por vezes as traves separam-se com a distância maldita do silêncio.

Quebram o diálogo, não falam as vozes do cuidado, e passa a existir assim a partilha de um pequeno ser, que cresce no seio de uma guerra entre o norte e o sul, transportando realidades que não ousa sequer colocar nas palavras doridas do dicionário. Quase sempre guardadas a sete chaves no baú dos segredos, onde ninguém entra a não ser o medo, o famoso guardião de todos os mal estares. E é aqui, que mais uma vez ela tem de conseguir.

Tem de conseguir levar sem trazer, viver sem partilhar, sentir-se sozinha sem ouvir de parte nenhuma, que aconteça o que acontecer, a trave não vai cair. Tem de conseguir, porque nada mais surge quando a comunicação falta, a não ser a coragem de seguir devagar, pelo caminho escuro do lobo mau. Elas conseguem, claro que conseguem, mas nenhuma merece. Porque a diferença entre segurança e insegurança, faz todo um caminho de distâncias gigantes. Uma diferença muito mais grandiosa do que qualquer orgulho ferido. A quem pertenço eu, pergunta ela? – Pertences a nós, como sempre, deveria ouvir. Deveria sempre haver duas vozes para lhe dizer “ amo-te“, no mesmo compasso de tempo, na mesma intensidade, na mesma direcção.

O silêncio só é de ouro às vezes, na solidão. Não na educação do amor. Se tudo for falado, se tudo for pensado, não sobra espaço para a soberba das receitas de “fast education”. Seria uma vitória, com um V enorme de Vencedores.

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Carla Raposo Ferreira, é Psicóloga e escreve às Segundas-feiras no Rio Maior Jornal.

Carla Raposo Ferreira
Psicóloga, Terapeuta do luto. Exerce clínica privada nos distritos de Santarém e Leiria.