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A imagem comanda o voto?

A política local entre a proximidade simbólica e a exigência de projetos com conteúdo

Nas campanhas autárquicas de hoje em dia, tornou-se habitual ver os candidatos em quase todos os eventos da terra: festas populares, jantares de associações, provas desportivas, inaugurações de obras ou simples encontros recreativos. Esta presença constante, por vezes quase obrigatória, vem quase sempre acompanhada de uma fotografia tirada no momento certo e publicada nas redes sociais, com uma frase curta e simpática.

A pergunta impõe-se: estará a política local a transformar-se numa sucessão de aparições públicas, em vez de um espaço de debate de ideias e apresentação de propostas para a freguesia ou concelho?

A resposta não é linear.

A proximidade entre eleitos e eleitores é, e deve continuar a ser, uma marca das autarquias. Faz parte do trabalho político estar presente na vida da comunidade e participar nos momentos importantes. Mas quando essa presença passa a ser mais uma oportunidade para “mostrar-se” do que para ouvir ou explicar, corre-se o risco de empobrecer a política local.

Hoje, muitos candidatos preocupam-se mais em aparecer do que em convencer. Estão onde há público, onde há fotografia, onde se pode dizer “estive lá”. E com a força das redes sociais, esta lógica da imagem ganha ainda mais peso: quanto mais se aparece, mais se partilha; quanto mais se partilha, maior a sensação de proximidade, mesmo que não haja uma ideia concreta por trás dessa presença.

Claro que muitos eleitores continuam a valorizar quem está próximo, quem dá a cara, quem se mostra disponível. E isso é legítimo. Mas há também quem comece a notar que estas campanhas se repetem, que se torna difícil perceber o que cada candidato propõe de diferente, o que verdadeiramente pensa para o futuro da sua terra. Sinais de cansaço e desconfiança começam a surgir.

Um desafio para descortinar

É aqui que está o desafio: como equilibrar a necessidade de proximidade com a exigência de conteúdo? Como fazer com que uma campanha não seja só um desfile de presenças, mas um verdadeiro momento de debate, de confronto de ideias, de esclarecimento?

Apesar do ruído da imagem, continuam a existir candidaturas sérias, com programas bem pensados e soluções concretas para problemas reais. Existem boas experiências de governação local, com inovação e participação. Mas essas iniciativas, muitas vezes, não têm o destaque que merecem, seja porque não se comunicam bem, seja porque o espaço público está ocupado com mensagens mais curtas, mais simples e mais fáceis de consumir.

Não devemos perder de vista o essencial: os projetos ainda contam. Os programas eleitorais não são apenas papéis formais, são (ou deviam ser) o ponto de partida para se avaliar quem está preparado para liderar uma autarquia. E para isso, é preciso dar espaço à explicação, ao debate, ao contraditório.

Neste contexto, o papel da comunicação social local é crucial. Cabe aos jornais, rádios e plataformas digitais fazer perguntas, aprofundar temas, comparar propostas. O jornalismo de proximidade tem a força de estar atento ao que realmente importa na vida das pessoas e pode ser um aliado importante para que as campanhas deixem de ser apenas imagem.

O valor da política local

A política local tem um valor enorme. É nela que se decidem coisas concretas: o transporte escolar, o centro de saúde, a reabilitação de ruas, o apoio às associações, os espaços verdes, a habitação, entre muitos outros aspetos que influenciam o dia a dia. É também neste espaço que se pode construir uma relação mais próxima entre eleitos e eleitores, mas com responsabilidade e com substância.

O problema não está em tirar selfies. O problema está quando a selfie substitui o projeto. Quando a presença pública serve apenas para “mostrar que se esteve” e não para dizer ao que se vem. É esse o risco que enfrentamos. E é essa a pergunta que todos, candidatos e eleitores, devemos fazer: queremos ser governados por quem aparece, ou por quem propõe?

N.R. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações da Direção do RMJornal, mas não é por isso que deixam de ser publicados

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Benedito Roldão
Benedito Roldão é o pseudónimo de cidadão riomaiorense, que por razões de liberdade de expressão, escreve sobre pseudónimo. O RMJornal, respeita em pleno o pedido dos seus colaboradores na preservação da sua identidade.

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