A Adolescência é a idade em que podemos fazer tudo
A adolescência é a idade em que podemos ser tudo. Não me contem aquelas histórias descabidas de nexo, de que os adolescentes não sabem o que querem, não sabem quem são, não sabem ao que vão, e que por isso vagueiam perdidos numa atmosfera própria, enfeitada a camisolões largos, bonés de clubes, auriculares e boa música.
É falso, na minha modesta opinião é falsa esta leitura irrisória efectuada pelos adultos, que se julgam sempre certos na análise, e concretos na avaliação.
Nunca, em altura alguma da nossa vida, nos permitimos ouvir-nos como ali. Quer as nossas ideias sejam consistentes e concertadas, emergentes da educação da regra e do conservadorismo, quer residam na mais profunda manifestação de insanidade, reveladoras, no senso comum, das maravilhosas crises existenciais, da busca de identidade, da escuta excessiva da mente.
Diria eu que é na adolescência que mais nos descobrimos, sem receio do confronto. É lá que passamos horas a fio connosco, com o nosso eu, com os nossos medos e com a nossa vibe. É lá que encontramos toda a gente que nos vai na alma.
Quem somos realmente, o que achamos que somos, como nos vemos, como nos vêem, como projectamos vir a ser, como nos assumimos nos nossos diferentes papéis, filho, amigo, irmão, aluno. É lá que acessamos sem limites ao nosso emocional, porque o estereótipo da idade ainda nos permite zangar em excesso, esbracejar de alegria, gritar de desespero ou esconder o corpo do manifesto sempre que temos medo, sem sermos acusados de fraqueza extrema ou irresponsabilidade.
Podemos escolher e voltar atrás, podemos namorar sem amar, podemos faltar às aulas sem que o salário sofra uma redução, porque para nossa sorte, ainda não temos salário. Podemos passar o verão na praia, podemos dançar ao pôr do sol, podemos nadar sem ter frio, e podemos desaparecer por longas horas, sem ninguém nos procurar.
Podemos por isso refugiar os nossos pensamentos na fantasia, enquanto todas as respostas que obteremos são experiências de evolução, sem carecerem de filtro, de organização, de direitos de autor ou de validação, porque o mais certo é nem conhecerem a luz do dia, porque morrem sozinhas no silêncio de nós.
Podemos circular a alta velocidade, no limite do pensamento, do andamento, da loucura e da insensatez. Podemos experimentar o que nos norteia e o que nos desnorteia, podemos cair e levantar outra vez, e podemos deslizar em queda livre, sem que por isso sejamos conotados com adjectivos pejorativos, uma vez que já somos adolescentes, e isso chega para nos serem permitidas todas as loucuras proibidas.
Do alto do mundo adulto nós, adultos, assumimos o papel de críticos, zelosos e responsáveis que cuidam deste bando de gente desvairada, perdida, entorpecida e vegetal.
A mim ninguém me tira da ideia a sensação professoral que gostamos de experimentar, quando do alto da nossa sapiência, os inserimos no diagnóstico da leviandade. Temos por hábito considerá-los menores, incapazes, projectos de aprendizes ainda com tudo por saber, fieis seguidores de modas supérfluas, que ouvem barulho, emitem poucos vocábulos, habitam no quarto e reivindicam, não raras vezes, ideias revolucionárias.
É fácil mirá-los de esguelha, não somos criticados por isso, afinal de contas somos nós que sabemos as demandas da vida, conhecemos as dores do crescimento, somos o protótipo da existência, e já adquirimos o saber da experiência feito. Somos a voz da razão, a sabedoria suprema, o antídoto de todas as obscuridades que eles destilam pelos poros, enquanto se balançam com os seus membros desengonçados, e gritam com vozes grossas e desafinadas.
A minha leitura é outra, embora por vezes possa, a desoras, quando o meu pensamento se deixa engolir pela dicotomia do certo e do errado, parecer que entro nesta análise colectiva. Não é real, passa-me num instante, tenho muita consciência de que o que nos dirige para estas conclusões não é nada de científico, de comprovado, de nobre ou efectivo. O que nos empurra para esta crítica, é o facto de não lhe conseguirmos perdoar a honestidade com que existem, totalmente contraditória à nossa sensata submissão.
Veja outras crónicas de Carla Raposo Ferreira
Carla Raposo Ferreira, é Psicóloga e escreve às Segundas-feiras no Rio Maior Jornal.